Atraso na entrega do imóvel: quando o prazo de tolerância de 180 dias é válido – e quando deixa de valer

A cláusula de tolerância de 180 dias é amplamente utilizada nos contratos de compra e venda de imóveis na planta. Ela permite que a incorporadora prorrogue a entrega do empreendimento por até seis meses sem que isso, em princípio, configure mora.

Mas a pergunta que mais surge entre consumidores é: esse prazo é sempre válido?

A resposta é: não necessariamente.

Sua validade depende de critérios legais, e existem situações claras em que a cláusula deixa de produzir efeitos.

 

1) Quando o prazo de tolerância é válido?

A tolerância de 180 dias somente é considerada legítima quando atende a requisitos formais e materiais essenciais. Em especial, a cláusula deve estar:

  • expressamente prevista no contrato de compra e venda;
  • redigida de forma clara, objetiva e destacada, de modo a permitir plena compreensão pelo comprador;
  • apresentada com transparência, atendendo ao dever de informação e à boa-fé objetiva.

Contratos que cumprem esses requisitos têm a cláusula de tolerância reconhecida pelos tribunais como válida e eficaz.

 

2) Quando o prazo de tolerância NÃO se aplica?

Apesar de comum, a cláusula não é absoluta.

Existem hipóteses em que a tolerância não pode ser invocada pela incorporadora, seja por falha contratual, seja por condutas que violam o equilíbrio da relação de consumo.

a) Contratos antigos sem cláusula clara (período anterior à Lei 14.382/2022)

Antes da atualização legislativa, muitos contratos traziam previsões vagas, escondidas ou redigidas de forma pouco transparente.

Nesses casos, a jurisprudência analisa caso a caso a eventual abusividade, podendo afastar a cláusula quando não houver destaque ou informação adequada.

b) Atraso decorrente de má gestão, desídia ou descaso

A finalidade da cláusula é cobrir contingências normais da construção civil, como variações climáticas e pequenos ajustes técnicos.

Ela não protege atrasos derivados de:

  • má administração da obra,
  • falta de planejamento,
  • desorganização interna,
  • abandono ou paralisação injustificada,
  • problemas financeiros previsíveis da incorporadora.

Nessas hipóteses, há violação direta ao princípio da boa-fé objetiva, e a tolerância é afastada.

c) Atrasos excessivos e injustificáveis (mora qualificada)

Quando o atraso ultrapassa demais o prazo contratual — incluindo os 180 dias — caracteriza-se a chamada mora qualificada.

Casos de atraso de dois ou três anos, por exemplo, extrapolam qualquer parâmetro de razoabilidade e tornam irrelevante a discussão sobre a validade da tolerância.

Nesses cenários, o consumidor pode adotar medidas mais severas, como:

  • rescisão contratual com devolução integral;
  • indenização por lucros cessantes;
  • multa moratória;
  • reparação por danos materiais e prejuízos comprovados.

 

Conclusão

O atraso na entrega de imóveis representa um problema sério que impacta diretamente o patrimônio e a organização financeira de milhares de famílias. Conhecer os direitos previstos na Lei 4.591/64, fortalecidos pelas atualizações da Lei 14.382/2022, é essencial para que o comprador se posicione de forma segura diante da incorporadora.

O ordenamento jurídico brasileiro assegura proteção robusta ao consumidor por meio de:

  • prazo de tolerância claramente definido em 180 dias (quando válido);
  • multa moratória de 1% ao mês em caso de atraso ilegal;
  • indenização por lucros cessantes, reconhecida com prejuízo presumido;
  • possibilidade de rescisão contratual com devolução integral.

A jurisprudência consolidada — especialmente a Súmula 162 do TJSP e o IRDR sobre lucros cessantes — reforça que o atraso injustificado gera, necessariamente, o dever de indenizar, independente da finalidade do imóvel.

Para resguardar direitos, recomenda-se:

  • manter documentação completa desde o início;
  • realizar notificação formal no momento do atraso;
  • calcular corretamente os prejuízos;
  • tentar solução extrajudicial;
  • e, se necessário, recorrer ao Judiciário.

A atuação de uma assessoria jurídica especializada em Direito Imobiliário é fundamental para analisar o caso de forma técnica, construir a estratégia adequada e maximizar as chances de êxito. Cada contrato, cada obra e cada atraso apresentam particularidades que podem fazer toda a diferença no resultado final.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Layane Borges

Advogada especialista em Direito Imobiliário e Tributário, com mais de 16 anos de experiência. Atua na regularização de imóveis, due diligence imobiliária, leilões, usucapião e adjudicação compulsória, oferecendo soluções jurídicas que garantem segurança, tranquilidade e valorização patrimonial.

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