A informalidade nos contratos de alienação fiduciária

O instituto da alienação fiduciária é velho conhecido do Brasil. Ele foi criado pela Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, visando ao fomento do crédito direto ao consumidor, para aquisição de bens móveis. Sua ampla utilização no financiamento de veículos automotores o tornou familiar à maioria dos brasileiros. A grande vantagem é que a propriedade do bem financiado não se transfere ao adquirente, mas permanece na titularidade do financiador. Isso proporciona facilidade de crédito e de retomada do bem, em caso de inadimplemento.

A palavra latina “fiduciae”, que significa confiança, vem do verbo latino “fidere”, com o significado de confiar. Ela dá origem ao termo fidúcia, em português. Assim, a cessão de um bem em fidúcia é o mesmo que cedê-lo em confiança. No caso do financiamento, na confiança de que as prestações financeiras acordadas em contrato específico serão cumpridas. Contudo, se não o forem, o proprietário legal do bem (credor fiduciário) tem o direito de resgatá-lo, mediante decisão judicial liminar de consolidação de sua propriedade sobre o bem.

Quanto aos financiamentos imobiliários, no Brasil, até 1997, prevaleceu o sistema de hipotecas, que até hoje se usa largamente nos Estados Unidos. Sua vantagem em relação ao sistema fiduciário é que ela pode, em nosso país, servir a mais de um financiamento, usando como garantia um mesmo bem imóvel. As hipotecas, no caso, são classificadas como de primeiro ou segundo grau, segundo a ordem temporal da concessão do empréstimo. Em caso de inadimplemento, o primeiro credor tem prioridade sobre o segundo na execução da dívida.

Ocorre que, por aqui, o instituto da hipoteca entrou em descrédito. A morosidade na execução judicial hipotecária causava muito prejuízo ao mercado imobiliário. Entre o ingresso da ação na Justiça e a reintegração do bem imóvel iam-se anos de espera. Não menos que quatro ou mais. E, quando se conseguia a retomada do bem, em geral, este estava depredado pelo devedor que, não raro, lhe saqueava partes de fácil remoção, como portas, janelas e aparelhos sanitários. O desestímulo à concessão de novo financiamento era flagrante.

A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, veio para solucionar a questão. Ela instituiu a alienação fiduciária sobre coisa imóvel, aplicável no âmbito do SFI (Sistema Financeiro Imobiliário). A nova lei, hoje com diversos melhoramentos, resolve o problema da demora judicial e permite que empresas privadas também financiem diretamente seus imóveis sob a mesma modalidade. Como a propriedade do bem fica em nome do agente financeiro, mediante contrato privado registrado em cartório, eventual retomada do imóvel é muito mais fácil e rápida.

Pois bem! Em recente decisão, a 2ª Turma do STJ (EREsp 1.866.844), em julgamento de embargos, decidiu que, mesmo que o contrato de alienação fiduciária não tenha sido registrado no Cartório de Registro de Imóveis, como manda o art. 23 da Lei 9514/97, prevalece a eficácia dos termos acordados livremente entre as partes. Esse posicionamento desburocratiza e torna flexível a execução do contrato. Com isso, ainda que em detrimento da forma, promove proteção ao direito, bem como a continuidade de um importante instituto. Parabéns STJ!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress