Uma citação na internet despertou minha curiosidade para a crônica de Fernando Veríssimo denominada “Versões de mim”. Nela, ele faz interessante reflexão sobre a incidência da partícula “se”, como vocábulo condicional, na vida de cada um de nós. Se eu tivesse; se eu fizesse; se eu tivesse feito; se eu tivesse decidido de tal forma; se eu tivesse me casado com Doralice. Uma sucessão infindável de “ses” que se nos aflora apenas como maneira de encontrar justificativa para nosso fracasso. Definitivamente, não é a melhor forma de encarar a vida.
Não há justificativas. Não as encontraremos. A cada “se” se sucederão vários “mas”, que desviarão o raciocínio justificador. Somos seres repletos de insatisfações. Isso é característica da humanidade. Nosso problema está em como transformá-la em algo positivo, que nos permita superar os momentos de dúvida. Só assim deixaremos de lidar com tantos “ses”. Depende de sabermos encarar nossos momentos de carência. Infelizmente, somos submetidos a um sistema tão estressante, que consegue nos subtrair a consciência de nossa falibilidade.
Somos, portanto, falíveis. Ninguém é perfeito! Se pudéssemos, conscientemente, voltar ao passado e realizar, ao invés do que realmente ocorreu, uma das alternativas propostas pelo “se”, com toda certeza, dentro dela, encontraríamos vários outros “ses” que nos induziriam a um eterno círculo vicioso de retorno ao passado, na tentativa de encontrar o “se” menos imperfeito. Assim sendo, ao tentar justificar nossos fracassos especulando alternativas, o que conseguiremos será apenas uma infindável sucessão de angústias insolúveis.
Como então tornar positivas nossas frustrações? A vida e o que ela de nós exige são capazes de nos desviar do que realmente importa para sermos felizes. No passado remoto, a vida era bem mais simples. Não havia cinema, televisão, consumo desenfreado, altas expectativas… Tudo se limitava às necessidades básicas da sobrevivência. Com o passar do tempo, as coisas mudaram. O homem potencializou sua ambição natural pelo progresso. E, por causa dela, passou a criar mais e mais necessidades. Sua não satisfação é fato gerador de muita angústia.
Entretanto, segundo o filósofo alemão Martin Heidegger, essa angústia nem sempre é negativa. Só precisa ser compreendida e modulada. Para exemplificar, ele cita um quebra-cabeças cuja movimentação eficiente das peças (formação de sequência lógica) exige um espaço vazio entre elas. Sem ele, as peças simplesmente não podem ser movimentadas. Esse espaço vazio simboliza a lacuna interior do ser humano. Heidegger acredita que essa sensação de vazio é a responsável pelo desejo incontrolável da humanidade de evoluir e criar novas possibilidades.
Lamentavelmente, parece que perdemos a capacidade de modular nossas angústias. O que foi planejado por Deus para ser indutor de progresso passou a ser estressante e escravizante. Por isso, temos tantos “ses” em nossas reflexões. A crônica citada reflete bem a vida dos Corretores de Imóveis. Todos os dias, enfrentamos situações que exigem decisões imediatas. Nossa vida é tal e qual a de Hamlet, de Shakespeare: Ser ou não ser, eis a questão! A propósito, a crônica se conclui com a frase de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.