Por Flávia Pinheiros
No artigo anterior, explicamos que o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) não cria novos impostos. Ele foi instituído pela Lei Complementar nº 214/2025 para organizar informações e dar mais segurança jurídica ao mercado imobiliário.
Mas existe uma consequência inevitável: a Receita Federal passa a ter um instrumento muito mais eficaz para cruzar dados e fiscalizar. Isso afeta tanto quem tem um imóvel alugado quanto famílias e investidores com carteiras maiores.
Se você tem imóvel para alugar, investe em propriedades ou trabalha no mercado imobiliário, precisa entender como essa mudança vai impactar sua vida fiscal a partir de 2026.
O CPF do imóvel: como funciona o cruzamento de dados
Com o CIB, cada imóvel terá um código único válido em todo o território nacional — é como se fosse o CPF do bem. Imagine que agora sua casa de praia, seu apartamento de aluguel e até aquele terreno herdado da avó terão uma identidade digital única e rastreável.
Isso permitirá à Receita Federal cruzar informações que antes ficavam dispersas:
- Contratos de locação registrados em cartórios ou declarados pelas partes ficam vinculados ao código único do imóvel, facilitando a identificação de rendimentos não declarados.
- Transferências bancárias de aluguel podem ser automaticamente associadas ao proprietário correto, mesmo quando há múltiplos imóveis na mesma conta.
- Carnê-Leão — o pagamento mensal obrigatório do Imposto de Renda sobre aluguel recebido, previsto no art. 8º-A da Lei nº 7.713/1988 — ganha rastreabilidade total.
- Declarações de IRPF de locadores e locatários passam a ser confrontadas automaticamente, reduzindo margem para inconsistências.
- Ganho de capital em vendas fica mais transparente, seguindo as regras da Instrução Normativa RFB nº 599/2005.
Na prática, aquele aluguel recebido em dinheiro ou por transferência avulsa, que antes podia passar despercebido, agora deixa rastros digitais mais claros.
Por que a quantidade de imóveis vai fazer toda a diferença
O CIB também torna mais visível quantos imóveis cada contribuinte possui. E isso muda tudo em termos de tributação:
- Para quem tem 1 ou 2 imóveis: Pode continuar declarando normalmente no IRPF como pessoa física, seguindo as regras tradicionais de locação.
- Para quem possui diversos imóveis: Corre o risco de ser enquadrado pela Receita como atividade equiparada à empresa, conforme art. 150, parágrafo único do Código Tributário Nacional, combinado com jurisprudência administrativa consolidada.
Esse enquadramento significa obrigatoriedade de:
- Abertura de CNPJ
- Contabilidade formal
- Tributação como pessoa jurídica
- Cumprimento de obrigações acessórias empresariais
O problema é que muitos investidores imobiliários operam na informalidade justamente porque era difícil para a Receita mapear toda a carteira. Com o CIB, essa “invisibilidade” acaba.
E quando há uma holding patrimonial em quarentena?
Muitas famílias já constituíram holdings patrimoniais para centralizar os imóveis e buscar eficiência tributária. Mas aqui existe um detalhe que pode gerar problemas sérios: a chamada “quarentena da Prefeitura”.
Durante esse período, o Município monitora a integralização de imóveis para verificar se houve planejamento abusivo, especialmente para reduzir ITBI ou IPTU. Mesmo assim, para a Receita Federal, os bens já pertencem formalmente à pessoa jurídica — ou seja, os rendimentos deveriam ser contabilizados no CNPJ da holding, e não no CPF dos sócios.
Exemplo prático
Imagine que os imóveis já foram transferidos para a holding, mas todos os aluguéis continuam sendo depositados na conta pessoal da esposa do proprietário.
Nesse cenário, o risco é duplo:
- Para a pessoa física (esposa): ou ela declara esses valores como renda própria — e a Receita pode entender que houve omissão pela holding — ou não declara, e incorre em omissão de rendimentos, sujeita a multas de até 225% do imposto devido.
- Para a holding (pessoa jurídica): a ausência de receita na contabilidade pode ser interpretada como sonegação, além de caracterizar distribuição disfarçada de lucros, hipótese prevista no art. 60 da Lei nº 8.383/1991.
- Na prática: o CIB vincula cada imóvel ao CNPJ da holding, e o fluxo bancário demonstra entradas na conta PF. Esse descompasso é suficiente para acionar o sistema da Receita.
O recado é claro: os aluguéis devem ser recebidos pela conta da holding e registrados em sua contabilidade. Só depois, de forma organizada e legal, os lucros podem ser distribuídos aos sócios.
Administradoras de imóveis: proteção ou exposição?
Muitos proprietários utilizam administradoras para gerir seus imóveis, pensando que isso os protege. A realidade é mais nuanced:
- Maior rastreabilidade: Contratos, recibos e repasses bancários ficam facilmente vinculados ao código único do imóvel, criando uma trilha de auditoria completa.
- Documentação organizada: Quem usa administradora profissional geralmente tem contratos formais, recibos padronizados e fluxo bancário regular — o que serve como proteção em fiscalizações.
- Transparência obrigatória: Se locador, locatário e administradora não declaram corretamente, os registros digitais vinculados ao CIB ainda assim permitem cruzamentos automáticos.
- Responsabilidade solidária: Administradoras podem ser responsabilizadas por descumprimento de obrigações acessórias, conforme arts. 113 e 114 do CTN.
Ou seja: a administração profissional oferece mais proteção documental, mas não elimina riscos se as declarações não estiverem em dia.
Penalidades que podem doer no bolso
Quando a Receita cruza dados e encontra inconsistências, as penalidades são pesadas:
Para o locador (proprietário)
- Multa por atraso no Carnê-Leão ou IRPF: 1% ao mês sobre o imposto devido, limitada a 20% (art. 7º, Lei nº 10.426/2002)
- Multa por omissão de rendimentos: de 75% a 225% do valor do imposto (arts. 44 e 44-A, Lei nº 9.430/1996)
- Juros de mora calculados com base na taxa Selic
- Possível enquadramento criminal por sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990)
Para o locatário (inquilino)
- Autuação por dedução indevida se declarar valores incorretos
- Multa de 75% a 225% sobre o imposto relativo ao valor indevido
- Responsabilidade solidária em caso de conluio comprovado com o locador
Para administradoras de imóveis:
- Multas por descumprimento de obrigações acessórias
- Obrigação de exibir documentos e contratos em fiscalização
- Responsabilização solidária em caso de fraude comprovada
Cronograma: quando tudo muda
- Outubro/novembro de 2025: Início da implantação gradual do CIB em estados piloto.
- Janeiro de 2026: Obrigatoriedade do código CIB em todas as escrituras, registros e contratos de compra, venda e locação.
- Ano-base 2026 (Declaração em 2027): Primeiro Imposto de Renda em que o CIB será usado massivamente para cruzamento automático de dados.
Recomendação estratégica: Use 2025 como ano de preparação. Organize contratos, recibos, escrituras e avalie se sua estrutura tributária atual ainda é adequada, especialmente se você possui vários imóveis.
O novo mercado imobiliário: transparente e profissional
O CIB marca o fim de uma era de informalidade no mercado imobiliário brasileiro. Não é apenas sobre impostos — é sobre um setor que amadurece e se profissionaliza.
Para famílias, isso significa mais segurança nas transações. Para investidores, exige planejamento mais cuidadoso. Para profissionais do setor, representa oportunidade de diferenciação através da competência técnica.
A mensagem é clara: o mercado imobiliário brasileiro deixou de admitir improviso. Quem se adaptar primeiro sai na frente. Quem resistir à mudança pode pagar caro pela teimosia.
CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Quem vê resultados, nem sempre conhece a história. 
Sou Flávia Pinheiros Costa, formada em Direito há 23 anos. Pós-graduada em Direito Imobiliário, Sistêmico, Contratual, Canônico e de Família. Atualmente, curso Inteligência Artificial para Advogados e sou mestranda em Mediação de Conflitos.
Mas o que realmente me move são pessoas.
Escutar histórias.
Ajudar a construir acordos.
Trazer clareza onde antes havia conflito.
E fazer do Direito uma ponte — não um muro.
Minha trajetória é marcada pela escuta ativa, pela conexão humana e pela busca constante por soluções que respeitem a lei e as relações.
Atuo como:
- Mediadora certificada pelo ICFML.
- Perita e avaliadora de imóveis.
- Mentora no mercado imobiliário, conduzindo famílias e profissionais.
- Palestrante em eventos nacionais e internacionais.
- Escritora e produtora de conteúdo jurídico.
- Sócia de duas administradoras de imóveis.
- Membro ativo das comissões da OAB nas áreas de Direito Sistêmico, Imobiliário e Justiça Restaurativa.
E, acima de tudo, sou alguém que acredita que ética, escuta e evolução diária são inegociáveis.
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Referências
- Lei Complementar nº 214/2025 – Institui o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB).
- Código Tributário Nacional (CTN) – Arts. 113 e 114 (obrigações acessórias); Art. 150, parágrafo único (atividades equiparadas à empresa).
- Lei nº 7.713/1988 – Art. 8º-A (regras sobre Carnê-Leão para rendimentos de aluguel).
- Lei nº 9.430/1996 – Arts. 44 e 44-A (penalidades por omissão de rendimentos no Imposto de Renda).
- Lei nº 10.426/2002 – Art. 7º (multas por atraso na entrega de declarações).
- Lei nº 8.137/1990 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo.
- Lei nº 8.383/1991 – Art. 60 (distribuição disfarçada de lucros).
- Instrução Normativa RFB nº 599/2005 – Disciplina tributação do ganho de capital na alienação de bens e direitos.
- Receita Federal do Brasil – Manuais e comunicados sobre IRPF, Carnê-Leão e tributação de rendimentos imobiliários.
- Colégio Registral do Brasil (CRB) – Notas técnicas sobre implementação do Cadastro Imobiliário Brasileiro.