A multipropriedade imobiliária, regulamentada pela Lei n.º 13.777/2018, é um modelo em que a propriedade de um imóvel é dividida em frações autônomas, com cada coproprietário tendo a titularidade plena sobre uma parte específica do bem e o direito de utilizá-lo por períodos previamente estabelecidos. Diferente do direito de uso, cada fração da multipropriedade é registrada como propriedade efetiva, com matrícula própria no cartório de registro de imóveis.
Esse modelo é especialmente atraente em empreendimentos turísticos e imóveis de alto padrão, por permitir que vários proprietários compartilhem o custo de aquisição e manutenção de um mesmo bem. A modalidade tem ganhado espaço no Brasil, mas também apresenta desafios legais e administrativos que precisam ser considerados para garantir segurança jurídica e eficiência na sua gestão.
O funcionamento da multipropriedade imobiliária
Na multipropriedade, o imóvel é dividido em frações que conferem aos coproprietários não apenas o direito de uso exclusivo por um período específico, mas também a propriedade sobre a fração correspondente. Cada fração é considerada uma unidade autônoma e pode ser vendida, transmitida por herança ou até mesmo alienada como qualquer outro tipo de propriedade.
O registro individualizado de cada fração no cartório de imóveis garante segurança jurídica, permitindo que cada proprietário tenha plena titularidade da sua fração do bem. A administração do imóvel é frequentemente feita por empresas especializadas, que organizam o calendário de uso, realizam a manutenção do bem e gerenciam as finanças compartilhadas.
Desafios jurídicos e riscos envolvidos
1) Conflitos de Uso e Gestão
Embora a propriedade seja fracionada, o uso do imóvel é compartilhado ao longo do ano, o que pode gerar conflitos entre coproprietários, especialmente em períodos de alta demanda. Contratos precisam prever regras claras para o calendário de uso e mecanismos de solução de conflitos para garantir a convivência harmoniosa entre os coproprietários.
2) Alienação e penhora de frações
Como cada fração é uma propriedade plena, pode ser livremente vendida ou transmitida por herança. No entanto, a penhora de frações por dívidas pode causar transtornos para os demais coproprietários, principalmente em caso de inadimplência. Os contratos precisam prever condições e limites para a alienação, bem como alternativas para a resolução de situações de penhora ou bloqueio judicial.
3) Individualização do IPTU e obrigações tributárias
Um dos desafios mais complexos da multipropriedade é a cobrança do IPTU. Embora cada fração seja registrada individualmente, nem todas as prefeituras possuem mecanismos para cobrar o imposto separadamente para cada coproprietário. Em alguns casos, o imóvel é tributado como uma unidade única, o que exige que os coproprietários façam o rateio do IPTU entre si, aumentando o risco de inadimplência e disputas.
A falta de regulamentação clara para a individualização do IPTU pode prejudicar o planejamento financeiro dos proprietários e exigir soluções internas para uma divisão justa dos encargos tributários.
Administração e manutenção do imóvel
A administração de um imóvel em multipropriedade é complexa e exige a contratação de empresas especializadas. As despesas de manutenção, melhorias e taxas precisam ser divididas proporcionalmente entre os coproprietários. A inadimplência de um ou mais proprietários pode impactar os demais. Por isso, contratos bem elaborados são essenciais para evitar problemas e garantir uma gestão eficiente.
Apesar dos desafios, a multipropriedade oferece uma série de oportunidades para o mercado imobiliário, especialmente em regiões turísticas e empreendimentos de lazer.
A possibilidade de adquirir uma fração de um imóvel de alto padrão com um custo reduzido permite que um público mais amplo tenha acesso a propriedades que normalmente estariam fora do seu alcance. A modalidade também atrai investidores que buscam diversificar seus ativos, especialmente em mercados com potencial de valorização, como destinos turísticos.
A multipropriedade otimiza a ocupação de imóveis ao longo do ano, garantindo uma maior utilização e rentabilidade para empreendimentos turísticos. Incorporadoras e operadores turísticos podem se beneficiar da estabilidade financeira proporcionada pela venda fracionada, enquanto as economias locais se fortalecem com o fluxo constante de visitantes.
A multipropriedade imobiliária é uma solução inovadora que combina a titularidade plena com o uso compartilhado de imóveis, abrindo novas possibilidades tanto para investidores quanto para consumidores. No entanto, a modalidade também apresenta desafios legais e operacionais que precisam ser enfrentados com contratos claros e uma gestão eficiente.
A regulamentação trazida pela Lei n.º 13.777/2018 é um marco importante, mas a prática ainda carece de aperfeiçoamento em áreas específicas, como a cobrança individualizada do IPTU e a administração compartilhada. Profissionais do direito imobiliário desempenham um papel essencial na elaboração de contratos robustos e na mediação de conflitos, garantindo que a multipropriedade se consolide como uma opção segura e atrativa para o mercado imobiliário.
Advogada, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC Campinas.
Pós-graduada em direito e negócios imobiliários pelo Instituto Damásio de Direito da IBMEC São Paulo.
Extensão universitária em direito contratual, negociação e formação contratual, due diligence imobiliária, incorporação imobiliária, loteamentos, direito registral e notarial, multipropriedade, direito tributário, compliance empresarial e outros.
Especialista em contratos, com atuação principal voltada para a estruturação e assessoria consultiva de negócios imobiliários e atrativos turísticos.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário — IBRADIM, com participação nas comissões de Negócios Imobiliários e Incorporação Imobiliária.