A execução de empreendimentos imobiliários de médio e grande porte exige soluções de capital compatíveis com o ciclo de obra e com o porte do projeto. Para muitas incorporadoras, os modelos tradicionais de crédito bancário não oferecem a flexibilidade, agilidade ou autonomia que o planejamento exige — o que tem ampliado o uso de instrumentos de captação alternativos, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), as Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) e o crowdfunding imobiliário regulado.
Mais do que uma tendência, esses instrumentos vêm se consolidando como estratégias recorrentes de funding para construtoras e incorporadoras, e sua viabilidade passa por uma estruturação jurídica bem delineada, que garanta solidez, previsibilidade e conformidade legal em todas as fases do empreendimento.
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs)
São títulos de crédito lastreados em recebíveis originados de transações do mercado imobiliário — como contratos de venda de unidades autônomas. Emitidos por companhias securitizadoras e regulamentados pela Lei nº 9.514/97, os CRIs são ferramentas relevantes para antecipar fluxos financeiros futuros e destravar capital para execução da obra.
Sua utilização exige que os contratos de origem estejam juridicamente adequados, com cláusulas claras, adimplemento controlado e garantias bem definidas. A cessão dos créditos exige também atenção ao regime fiduciário, aos termos da emissão e à responsabilidade residual da incorporadora. O sucesso da operação depende da organização documental e da previsibilidade contratual da carteira cedida.
Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs)
Funcionam como títulos de crédito emitidos por instituições financeiras, com lastro em créditos imobiliários, mas com garantia adicional sobre o patrimônio separado, conferindo maior segurança a quem aporta recursos. Reguladas pela Lei nº 13.097/2015, as LIGs têm sido usadas por grandes grupos financeiros como instrumento de captação estável.
Para incorporadoras, sua importância está em operações indiretas: quando atuam como originadoras dos créditos que irão compor o lastro das LIGs ou quando se associam a instituições que buscam ativos imobiliários qualificados. Mais uma vez, a qualidade jurídica da documentação, a regularidade dos projetos e a clareza contratual dos recebíveis serão determinantes para acesso a esse tipo de funding.
Crowdfunding Imobiliário
O crowdfunding imobiliário, disciplinado pela Resolução CVM nº 88/2022, viabiliza a captação direta de recursos junto a múltiplos investidores por meio de plataformas reguladas. No contexto das incorporadoras, tem sido usado com sucesso para financiar etapas específicas de projetos ou mesmo viabilizar a alavancagem inicial de empreendimentos menores, com tíquete médio mais baixo.
O diferencial está na velocidade de captação e na desintermediação bancária, mas o instrumento exige conformidade rigorosa com as regras da CVM, incluindo transparência na oferta, cronograma de aplicação dos recursos, direitos dos investidores, política de riscos e regras de governança.
Além disso, a estrutura jurídica do projeto precisa estar regularizada: titularidade do terreno, viabilidade do licenciamento, contratos de permuta (se houver) e regime de afetação precisam estar documentalmente prontos. A captação sem essa base pode gerar litígios futuros ou travar a liberação dos valores.
Em qualquer dessas modalidades, a viabilidade jurídica da operação não é acessória, mas central. Isso não significa apenas formalizar contratos — significa planejar a estrutura jurídica do empreendimento desde a concepção do projeto, considerando a origem dos recursos, as responsabilidades assumidas, os marcos contratuais e o grau de exposição das partes envolvidas.
Cláusulas mal redigidas, contratos incompletos, falta de lastro legal ou documentos desalinhados com o modelo de funding podem inviabilizar a emissão de títulos ou travar a liquidação dos recebíveis. Para o incorporador, o risco não é apenas operacional — é financeiro, contratual e reputacional.
CRI, LIG e crowdfunding são mecanismos legítimos de financiamento que vêm ganhando espaço entre incorporadoras que buscam agilidade, diversificação e maior autonomia no planejamento financeiro de seus empreendimentos. São instrumentos sofisticados, mas que não prescindem do essencial: rigor jurídico, previsibilidade contratual e organização documental desde a origem.
A incorporação imobiliária segue sendo uma atividade altamente regulada e sensível à solidez dos atos que a sustentam. Por isso, a adoção de modelos de captação alternativos exige não apenas conhecimento técnico, mas uma estrutura jurídica compatível com o ritmo e as exigências do mercado. Esse é o ponto de equilíbrio entre inovação financeira e segurança operacional.
Projetos viáveis do ponto de vista comercial só se tornam empreendimentos executáveis quando contam com um alicerce jurídico claro, confiável e bem construído.
Advogada, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC Campinas.
Pós-graduada em direito e negócios imobiliários pelo Instituto Damásio de Direito da IBMEC São Paulo.
Extensão universitária em direito contratual, negociação e formação contratual, due diligence imobiliária, incorporação imobiliária, loteamentos, direito registral e notarial, multipropriedade, direito tributário, compliance empresarial e outros.
Especialista em contratos, com atuação principal voltada para a estruturação e assessoria consultiva de negócios imobiliários e atrativos turísticos.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário — IBRADIM, com participação nas comissões de Negócios Imobiliários e Incorporação Imobiliária.