A Constituição Federal, em seu art. 5º, garante a inviolabilidade do direito à propriedade. Já seu art. 6º relaciona a moradia como um dos direitos sociais por ela protegidos. Aí começa a confusão. Mas a 6ªTurma do TRF 1ª Região/DF decidiu, nos autos do RE 407688/AC, que o direito constitucional de moradia não se confunde com o direito à propriedade imobiliária. Na verdade, tem de haver harmônica convivência entre todos os direitos fundamentais. Entre eles, o direito à liberdade de obrigar-se contratualmente e, depois, cumprir as obrigações contratuais.
Lamentavelmente, não é o que tem decidido o Congresso Nacional que, ora tende para a direita, ora para esquerda. Falta-lhe definição ideológica e compreensão constitucional. Em 18 de maio passado, a Câmara Federal aprovou, por 263 x 181 votos, o PL nº 827/20, da Deputada Rosa Neide (PT/MT), proibindo despejo ou desocupação de imóveis até o final deste ano. No Senado, nesta quarta, 23 de junho, com modificações, o PL foi aprovado por 38 x 36 votos. Agora, retorna à Câmara para reapreciação. Depois, vai à sanção do Presidente da República.
O texto aprovado, sob o argumento da pandemia, suspende medidas judiciais, extrajudiciais e administrativas, decididas desde 20 de março de 2020, sobre atos ainda não concluídos, despejo ou desocupação de imóveis, privados ou públicos, até 31 de dezembro de 2021. Todavia só terá aplicação a imóveis de aluguel mensal de até R$ 600,00, se residenciais, e de até R$ 1.200,00, se não residenciais. O projeto exclui imóveis rurais e aqueles cuja propriedade seja a única do locador e o valor do aluguel seja sua única fonte de renda. Hilário!
Na Câmara Federal, 59,23% dos deputados votaram a favor. No Senado, felizmente, o viés intervencionista foi bem menor: só 51,35%. Mas o resultado é preocupante! Ninguém pode ser contra qualquer tipo de ajuda a quem está desempregado e sem condições de pagar o aluguel. Porém não é fazendo gentileza com chapéu alheio que se resolve o problema. Ao impor, mediante lei, que o proprietário deixe de exercer seu legítimo e constitucional direito de propriedade, o Poder Legislativo vilipendia o estado democrático de direito por ele próprio instituído.
A nova lei, se sancionada, incentivará o retorno às invasões, sejam de propriedades rurais ou urbanas. Nosso país, de fato, precisa de políticas públicas que garantam os direitos sociais, mas sem interferir com outras proteções constitucionais. A garantia ao direito de propriedade é fundamental como instrumento de consolidação da nossa imagem liberal no exterior. A atração de investimentos geradores de empregos e renda, depende fundamentalmente disso. O projeto fere de morte a segurança jurídica contratual e retroage, em pelo menos 30 anos, as relações locatícias.
A decisão legislativa, com toda a vênia, é populista e ignora a harmonia e a paridade de forças que devem nortear a convivência dos diversos direitos fundamentais. A possível nova lei sobrepujará o sagrado direito de propriedade ao da moradia, ambos protegidos pela Carta Magna. A “bomba” cairá nas mãos do Presidente da República. Em respeito ao liberalismo e à Constituição, ele não terá opção se não o veto integral do PL. Estamos, de novo, na contramão! Se queremos um Brasil líder entre as mais prósperas nações, teremos de repensar nosso Congresso Nacional.