A arbitragem tem se consolidado no Brasil como um mecanismo eficaz de resolução de conflitos. No setor imobiliário, especialmente nos contratos de locação, seu uso pode significar redução de custos, maior agilidade e previsibilidade para locadores e locatários.
Dados recentes mostram que a taxa de anulação de sentenças arbitrais é inferior a 1% em mais de 14 mil procedimentos analisados pela Arbitralis, conforme apontado pela Nota Técnica nº 01 da Comissão de Arbitragem da OAB/MG. Apesar disso, a mera existência de decisões judiciais anulando cláusulas compromissórias ainda gera insegurança e abre espaço para litígios oportunistas.
Essa resistência ignora o fato de que a arbitragem, quando utilizada, é não apenas válida juridicamente, mas também um meio eficiente e legítimo de solução de controvérsias locatícias, em especial diante da lentidão do Judiciário. Hoje, o tempo médio para a conclusão de uma ação de despejo ultrapassa 737 dias, um atraso que onera as partes, desestimula investimentos e mina a confiança no sistema de Justiça.
Arbitragem e direitos patrimoniais disponíveis
A Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) estabelece que só podem ser objeto de arbitragem os chamados direitos patrimoniais disponíveis. Em termos práticos, isso significa que apenas questões que tenham conteúdo econômico e sobre as quais as partes possam livremente dispor podem ser submetidas à arbitragem.
No campo das locações, são exemplos claros: o inadimplemento do aluguel, reajustes de valor, benfeitorias e rescisões antecipadas. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu, inclusive, que tais matérias se enquadram nessa categoria, consolidando a arbitragem como caminho legítimo nas relações locatícias.
Além disso, a lei assegura às partes a liberdade de escolher as regras de direito que regerão a arbitragem, desde que não afrontem a ordem pública ou os bons costumes. Trata-se de uma flexibilidade que aumenta a previsibilidade e permite soluções mais adequadas à realidade contratual.
A cláusula compromissória
O instrumento jurídico que viabiliza a arbitragem é a chamada cláusula compromissória. Por meio dela, as partes se comprometem, já no contrato, a submeter à arbitragem eventuais litígios relacionados àquele ajuste.
A cláusula compromissória deve ser feita por escrito, podendo constar diretamente no contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
Nos contratos de adesão, prática comum em locações residenciais, a cláusula só terá eficácia se o inquilino manifestar expressamente sua concordância, seja em documento anexo ou em destaque no contrato, com assinatura ou visto específico para essa cláusula.
O debate sobre a anulação das cláusulas de arbitragem
Algumas decisões judiciais têm anulado cláusulas compromissórias em contratos de locação sob o argumento de vulnerabilidade do locatário. Essa visão, contudo, não se sustenta quando analisada sob a ótica econômica, jurídica e social.
A Nota Técnica nº 01 da Comissão de Arbitragem da OAB/MG é expressa nesse ponto: a cláusula compromissória em contratos de locação não pode ser considerada abusiva de forma automática. A nota destaca que o art. 4º, §2º, da Lei de Arbitragem permite sua inclusão inclusive em contratos de adesão, desde que respeitados os requisitos legais de destaque e anuência expressa.
Mais que isso, a OAB/MG ressalta que a jurisprudência do STJ reconhece a validade das cláusulas arbitrais em locações, já que estas versam sobre direitos patrimoniais disponíveis, e não sobre relações de consumo. A relação locador-locatário é regida pela Lei de Locações (Lei nº 8.245/1991), de natureza eminentemente civil, e não pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, não há que se falar em aplicação do art. 51, VII, do CDC, que prevê nulidade de cláusulas que privem o consumidor do acesso ao Judiciário.
Outro ponto enfatizado na Nota Técnica é que decisões judiciais que anulam cláusulas arbitrais desconsideram o comando do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que impõe a análise das consequências práticas da decisão. Ignora-se, portanto, o impacto direto no mercado: aumento dos custos de transação, elevação dos prêmios de seguros, encarecimento do acesso à moradia e retração de investimentos.
Impactos econômicos e jurídicos
A arbitragem reduz custos de três naturezas:
Ignorar essa alternativa é desconsiderar não apenas a realidade do mercado imobiliário, mas também a diversidade dos atores envolvidos. Muitos locatários possuem melhores condições financeiras do que locadores aposentados ou pensionistas, o que enfraquece o argumento de hipossuficiência automática do inquilino.
Conclusão
Em um país com quase 80 milhões de processos judiciais em tramitação, a arbitragem deve ser vista não como um privilégio, mas como uma necessidade. No mercado imobiliário, ela representa celeridade, economia e segurança, beneficiando tanto locadores quanto locatários.
Cabe ao Judiciário, à advocacia e também aos corretores imobiliários reconhecerem que a arbitragem é uma ferramenta de equilíbrio, capaz de fortalecer relações contratuais e reduzir o peso da judicialização no setor.