A crescente adoção de sistemas de reconhecimento facial em condomínios brasileiros gerou um cenário complexo e desafiador para síndicos, administradoras e empresas de segurança. O que deveria ser uma solução tecnológica para aumentar a segurança e praticidade dos moradores se transformou em fonte de conflitos, constrangimentos e até mesmo processos judiciais. A situação se torna ainda mais delicada quando um condômino se recusa categoricamente a fornecer seus dados biométricos, criando um impasse que muitos gestores ainda não sabem como resolver.
Este cenário não é apenas uma questão de preferência pessoal ou resistência à tecnologia. Trata-se de um direito fundamental garantido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que estabelece princípios claros sobre o tratamento de dados pessoais sensíveis, categoria na qual se enquadram os dados biométricos faciais. A complexidade aumenta, quando consideramos que, simultaneamente, os condomínios têm o dever de garantir a segurança de seus moradores e o controle de acesso às suas dependências.
O caso recente de Gisele Brito, arquiteta que se recusou a cadastrar seu reconhecimento facial no condomínio onde reside na região central de São Paulo, ilustra perfeitamente os dilemas enfrentados na implementação dessa tecnologia [1]. Sua experiência, marcada por constrangimento em reuniões condominiais e dificuldades para obter informações claras sobre o tratamento de seus dados, revela as falhas sistemáticas que têm caracterizado a adoção da biometria facial em condomínios brasileiros.
A situação se agrava quando consideramos que muitos condomínios têm implementado esses sistemas sem a devida transparência, oferecendo contratos padronizados que não esclarecem responsabilidades em caso de vazamentos, não fornecendo políticas de privacidade adequadas e, em alguns casos, não oferecendo alternativas de acesso para aqueles que se recusam a fornecer seus dados biométricos. Essa abordagem não apenas viola os princípios da LGPD, mas também expõe condomínios e empresas de segurança a riscos jurídicos significativos.
O presente artigo tem como objetivo fornecer um guia abrangente e prático para condomínios, empresas de segurança e profissionais do setor sobre como proceder corretamente quando um condômino se recusa a fazer biometria facial. Serão abordados os aspectos legais fundamentais da LGPD, os direitos inalienáveis dos condôminos, as obrigações dos controladores de dados, os procedimentos adequados a serem seguidos e as melhores práticas para implementação de sistemas de reconhecimento facial em conformidade com a legislação vigente.
A Natureza Sensível dos Dados Biométricos
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, em vigor desde setembro de 2020, estabelece em seu artigo 5º, inciso II, que dados biométricos são classificados como dados pessoais sensíveis [2]. Esta classificação não é meramente técnica, mas reflete a compreensão legislativa de que dados biométricos possuem características únicas que os tornam especialmente vulneráveis e valiosos para atividades criminosas.
Diferentemente de senhas ou códigos de acesso, que podem ser alterados em caso de comprometimento, os dados biométricos são imutáveis. Como observa o meu colega advogado Dr. Lucas Marcon, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), “a biometria é uma senha que não se pode trocar. Em caso de vazamento, a pessoa fica vulnerável para sempre” [1]. Esta característica fundamental torna o tratamento desses dados especialmente crítico e exige medidas de proteção mais rigorosas.
A sensibilidade dos dados biométricos se manifesta de forma prática nos riscos associados ao seu vazamento. Conforme documentado pelo G1, criminosos que obtêm acesso a dados faciais e CPF podem aplicar diversos golpes, incluindo abertura de contas bancárias fraudulentas, autorizações de empréstimos consignados e fraudes no sistema gov.br, incluindo simulação de prova de vida do INSS [1]. Estes riscos não são teóricos: em maio de 2024, a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha que utilizava alteração facial para burlar o sistema do gov.br, acessando benefícios e autorizando empréstimos em nome de terceiros, incluindo pessoas falecidas.
O Princípio do Consentimento Livre e Informado
O artigo 7º da LGPD estabelece as bases legais para o tratamento de dados pessoais, sendo o consentimento do titular uma das principais. Para dados sensíveis, como os biométricos, o artigo 11 da lei é ainda mais restritivo, exigindo que o consentimento seja específico e destacado para finalidades específicas [2]. Este requisito legal tem implicações diretas para a implementação de sistemas de reconhecimento facial em condomínios.
O consentimento, conforme definido no artigo 5º, inciso XII da LGPD, deve ser uma “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada” [2]. Cada elemento desta definição tem significado jurídico específico:
Livre: O consentimento não pode ser obtido mediante coação, chantagem ou qualquer forma de pressão. No contexto condominial, isso significa que não se pode condicionar o acesso à unidade habitacional exclusivamente ao fornecimento de dados biométricos. A recusa em fornecer esses dados não pode resultar em impedimento de acesso ou constrangimento do condômino.
Informado: O titular deve receber informações claras e completas sobre o tratamento de seus dados antes de consentir. Isso inclui a finalidade específica da coleta, os tipos de dados que serão tratados, com quem serão compartilhados, por quanto tempo serão armazenados e quais medidas de segurança serão adotadas.
Inequívoco: O consentimento deve ser expresso de forma clara e não pode ser presumido ou inferido de comportamentos ambíguos. No caso da biometria facial, simplesmente passar pela câmera não constitui consentimento válido.
As Exceções ao Consentimento e Sua Aplicabilidade Limitada
Embora a LGPD preveja algumas hipóteses em que o tratamento de dados sensíveis pode ocorrer sem consentimento, conforme estabelecido no artigo 11, essas exceções têm aplicabilidade limitada no contexto de condomínios residenciais. A exceção mais frequentemente invocada é a do inciso II, alínea “f”, que permite o tratamento para “garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular” [2].
No entanto, a interpretação desta exceção deve ser restritiva e proporcional. Como esclarece o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), “é desproporcional impor a utilização de dados biométricos como único meio de acesso” [3]. A segurança do condomínio pode ser garantida por outros meios menos invasivos, como sistemas de cartão, chaves eletrônicas ou controle de acesso via portaria.
Além disso, mesmo quando aplicável uma das exceções legais, os princípios gerais da LGPD continuam vigentes, incluindo os princípios da finalidade, adequação, necessidade e proporcionalidade. Isso significa que o tratamento deve ser limitado ao mínimo necessário para atingir a finalidade pretendida e deve ser proporcional aos benefícios esperados.
O Vácuo Regulatório e Seus Desafios
Apesar da existência da LGPD, o uso de reconhecimento facial em condomínios ainda enfrenta o que especialistas denominam de “vácuo regulatório”. Como observa o advogado Lucas Marcon, “não existe uma regulamentação específica para esse tipo de tecnologia em condomínios. A LGPD prevê exceções para segurança pública, mas há um debate sobre os limites do uso em espaços privados” [1].
Este vácuo regulatório cria incertezas tanto para condomínios quanto para moradores. Questões como a responsabilidade pela atualização dos sistemas, os protocolos de segurança adequados, os prazos de armazenamento e os procedimentos de exclusão de dados não possuem diretrizes específicas, deixando margem para interpretações divergentes e práticas inadequadas.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), embora estabeleça diretrizes gerais, não realiza fiscalizações diretas regulares sobre empresas que operam sistemas de reconhecimento facial em condomínios [1]. Isso significa que muitas empresas terceirizadas atuam praticamente sem supervisão, aumentando os riscos para os titulares dos dados.
Jurisprudência Emergente e Precedentes Relevantes
Embora ainda seja limitada, a jurisprudência brasileira tem começado a se posicionar sobre questões relacionadas à biometria em condomínios. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já proferiu decisões importantes estabelecendo que “ninguém pode ser obrigado a ceder dados pessoais sensíveis, como a biometria facial, e que devem existir alternativas de acesso” [4].
Estes precedentes judiciais reforçam a interpretação de que o direito de acesso à propriedade não pode ser condicionado exclusivamente ao fornecimento de dados biométricos. Os tribunais têm reconhecido que, mesmo em nome da segurança, os condomínios devem respeitar a autonomia e a privacidade dos moradores, oferecendo métodos alternativos de acesso.
A tendência jurisprudencial aponta para uma interpretação restritiva das exceções ao consentimento, privilegiando a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos sobre alegações genéricas de segurança. Isso tem implicações importantes para condomínios que implementaram sistemas de reconhecimento facial sem considerar adequadamente os direitos dos moradores.
Direitos Fundamentais dos Condôminos: Muito Além da Simples Recusa. O Direito à Autodeterminação Informacional
O direito de um condômino recusar-se a fornecer seus dados biométricos não é uma mera preferência pessoal, mas um direito fundamental derivado do princípio da autodeterminação informacional. Este princípio, reconhecido constitucionalmente e reforçado pela LGPD, garante a cada indivíduo o controle sobre suas informações pessoais, incluindo quando, como e para que finalidades elas podem ser utilizadas.
No contexto condominial, este direito se manifesta de forma particularmente importante, pois envolve o acesso à própria residência. Como estabelecido pela jurisprudência do TJSP, “mesmo que um regulamento interno exija biometria facial, ele não pode violar direitos constitucionais e a LGPD” [4]. Isso significa que convenções condominiais ou regulamentos internos que tornem obrigatório o uso de biometria facial, podem ser considerados inválidos, se não respeitarem os direitos fundamentais dos moradores.
A autodeterminação informacional também implica que o condômino tem o direito de ser informado sobre todos os aspectos do tratamento de seus dados antes de tomar uma decisão. Isso inclui não apenas informações sobre a coleta e armazenamento, mas também sobre compartilhamento com terceiros, medidas de segurança adotadas e procedimentos em caso de incidentes de segurança.
O Direito a Alternativas de Acesso
Um dos direitos mais importantes e práticos dos condôminos é o direito a alternativas de acesso que não envolvam o uso de dados biométricos. Este direito não é apenas uma cortesia ou uma concessão do condomínio, mas uma obrigação legal decorrente da LGPD e dos princípios constitucionais de proteção à privacidade.
As alternativas de acesso devem ser funcionalmente equivalentes ao sistema biométrico, não podendo ser mais onerosas, inconvenientes ou constrangedoras para o usuário. Exemplos de alternativas adequadas incluem:
Cartões ou “Tags” de Proximidade: Dispositivos eletrônicos que permitem acesso mediante aproximação de um leitor, oferecendo praticidade similar à biometria sem envolver dados pessoais sensíveis.
Códigos de Acesso Personalizados: Senhas individuais que podem ser alteradas periodicamente, proporcionando segurança sem comprometer a privacidade biométrica.
Acesso via Portaria com Identificação: Sistemas que permitem ao porteiro ou sistema de interfone identificar o morador por outros meios, como documento de identidade ou confirmação verbal.
Chaves Eletrônicas Programáveis: Dispositivos que podem ser programados e reprogramados conforme necessário, oferecendo controle de acesso sem coleta de dados biométricos.
É importante ressaltar que a oferta de alternativas não pode ser condicionada ao pagamento de taxas adicionais ou à aceitação de condições mais restritivas. Como esclarece a legislação, o exercício de direitos fundamentais não pode ser onerado financeiramente.
O Direito à Transparência e Informação
O direito à transparência vai muito além da simples informação sobre a existência do sistema de reconhecimento facial. Os condôminos têm direito a informações detalhadas e compreensíveis sobre todos os aspectos do tratamento de seus dados biométricos.
Política de Privacidade Específica: O condomínio deve fornecer uma política de privacidade específica para o sistema de reconhecimento facial, separada de outros documentos contratuais. Esta política deve explicar, em linguagem clara e acessível, quais dados são coletados, como são processados, onde são armazenados e por quanto tempo.
Informações sobre Terceiros: Quando o sistema é operado por empresa terceirizada, os condôminos têm direito a saber qual empresa está envolvida, qual seu papel no tratamento dos dados e como podem contatá-la diretamente para exercer seus direitos.
Medidas de Segurança: Embora não seja necessário revelar detalhes técnicos que possam comprometer a segurança, os condôminos têm direito a informações gerais sobre as medidas adotadas para proteger seus dados, incluindo criptografia, controles de acesso e procedimentos de backup.
Procedimentos de Incidente: O condomínio deve informar claramente quais procedimentos serão seguidos em caso de vazamento ou comprometimento dos dados, incluindo como os afetados serão notificados e quais medidas serão tomadas para mitigar os danos.
O Direito de Revogação do Consentimento
Um dos aspectos mais importantes da LGPD é o reconhecimento de que o consentimento não é permanente e pode ser revogado a qualquer momento. No contexto da biometria facial em condomínios, isso significa que um morador que inicialmente consentiu com o uso de seus dados biométricos pode, posteriormente, retirar esse consentimento sem necessidade de justificativa.
O processo de revogação deve ser tão simples quanto o processo de consentimento original. Se o consentimento foi obtido mediante assinatura de documento, a revogação deve poder ser feita da mesma forma. Se foi obtido digitalmente, deve haver um meio digital equivalente para revogação.
Crucialmente, a revogação do consentimento não pode resultar em penalização do condômino. O condomínio deve imediatamente oferecer uma alternativa de acesso e proceder à exclusão segura dos dados biométricos do sistema. A demora injustificada em atender à solicitação de revogação pode configurar violação da LGPD e sujeitar o condomínio a sanções.
O Direito de Acesso e Portabilidade dos Dados
Os condôminos têm direito de acessar seus dados biométricos armazenados no sistema, embora este direito tenha particularidades técnicas importantes. Devido à natureza dos dados biométricos, que são frequentemente armazenados como templates matemáticos em vez de imagens, o acesso pode ser limitado às informações que são efetivamente compreensíveis para o titular.
O direito de acesso inclui:
Confirmação da Existência de Tratamento: O condômino pode solicitar confirmação sobre se seus dados biométricos estão sendo tratados pelo sistema.
Informações sobre o Tratamento: Detalhes sobre como os dados são processados, incluindo algoritmos utilizados (em termos gerais), finalidades específicas e compartilhamento com terceiros.
Correção de Dados: Embora dados biométricos sejam geralmente imutáveis, pode haver necessidade de atualização em casos específicos, como mudanças significativas na aparência facial.
Histórico de Acesso: Informações sobre quando e como os dados foram utilizados para controle de acesso, respeitando limitações técnicas dos sistemas.
O Direito à Exclusão e ao Esquecimento
O direito à exclusão, também conhecido como “direito ao esquecimento”, é particularmente relevante no contexto de dados biométricos devido à sua natureza sensível e aos riscos associados ao seu armazenamento prolongado.
A exclusão deve ser:
Completa: Todos os dados biométricos do condômino devem ser removidos do sistema, incluindo templates, imagens de referência e logs de acesso que possam identificá-lo.
Verificável: O condomínio deve ser capaz de comprovar que a exclusão foi efetivamente realizada, fornecendo confirmação por escrito quando solicitado.
Imediata: A exclusão deve ocorrer no menor prazo possível, não podendo ser postergada sem justificativa técnica válida.
Irreversível: Uma vez excluídos, os dados não devem poder ser recuperados, garantindo que a privacidade do indivíduo seja efetivamente protegida.
O Direito de Não Discriminação
Um aspecto frequentemente negligenciado é o direito dos condôminos de não serem discriminados ou constrangidos por exercerem seus direitos relacionados à proteção de dados. O caso de Gisele Brito ilustra como a recusa em fornecer dados biométricos pode resultar em constrangimento e pressão social dentro do condomínio [1].
O condomínio e seus representantes têm a obrigação de:
Respeitar a Decisão: A recusa em fornecer dados biométricos deve ser respeitada sem questionamentos sobre as motivações do condômino.
Evitar Constrangimento: Não devem ser feitos comentários depreciativos ou tentativas de pressão social para que o condômino mude de opinião.
Garantir Tratamento Igualitário: Condôminos que optam por métodos alternativos de acesso devem receber o mesmo nível de serviço e cortesia.
Proteger a Privacidade da Decisão: A informação sobre quais condôminos utilizam ou não o sistema biométrico deve ser tratada como confidencial.
O Condomínio como Controlador de Dados
No contexto da LGPD, o condomínio, representado pelo síndico e pela administradora, atua como controlador de dados. Isso significa que ele é o responsável por tomar as decisões referentes ao tratamento dos dados pessoais dos condôminos, incluindo a biometria facial. Essa responsabilidade implica em uma série de obrigações que vão além da simples instalação de um sistema de segurança.
É fundamental que o condomínio compreenda que a segurança física e a proteção de dados são duas faces da mesma moeda. A busca por maior segurança não pode, em hipótese alguma, atropelar os direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados pessoais dos moradores. A negligência nesse aspecto pode acarretar em sanções administrativas pela ANPD, multas significativas e ações judiciais por danos morais e materiais.
Implementação em Conformidade com a LGPD
A implementação de um sistema de reconhecimento facial em condomínios exige um planejamento cuidadoso e a observância rigorosa dos princípios da LGPD desde a fase inicial do projeto. Não basta apenas adquirir a tecnologia; é preciso garantir que todo o ciclo de vida do dado biométrico esteja em conformidade com a lei.
1) Avaliação de Impacto à Proteção de Dados (DPIA): Embora não seja obrigatória para todos os casos, a realização de uma DPIA é altamente recomendada para sistemas de reconhecimento facial, dada a natureza sensível dos dados biométricos e o alto risco envolvido. A DPIA ajuda a identificar e mitigar riscos à privacidade antes que o sistema seja implementado.
2) Princípios da LGPD: O condomínio deve garantir que o tratamento dos dados biométricos esteja alinhado com os princípios da LGPD, especialmente:
3) Base Legal Adequada: A principal base legal para o tratamento de dados biométricos em condomínios é o consentimento do titular. Conforme já detalhado, este consentimento deve ser livre, informado e inequívoco. A utilização de outras bases legais, como o legítimo interesse ou a garantia da prevenção à fraude, deve ser analisada com extrema cautela e justificada de forma robusta, pois a ANPD tem se mostrado rigorosa na interpretação dessas exceções para dados sensíveis.
Responsabilidades da Empresa de Segurança (A Operadora dos Dados)
Quando o condomínio contrata uma empresa de segurança para gerenciar o sistema de reconhecimento facial, essa empresa atua como operador de dados. O operador trata os dados pessoais em nome do controlador e de acordo com suas instruções. A relação entre condomínio e empresa de segurança deve ser formalizada por meio de um contrato que estabeleça claramente as responsabilidades de cada parte em relação à proteção de dados.
As obrigações da empresa de segurança incluem:
1) Conformidade com as Instruções do Controlador: A empresa deve tratar os dados biométricos estritamente de acordo com as instruções fornecidas pelo condomínio e com as finalidades previamente estabelecidas.
2) Medidas de Segurança Robustas: A empresa deve implementar medidas de segurança técnicas e administrativas que garantam a proteção dos dados biométricos contra acessos não autorizados, vazamentos, perdas, destruição ou alteração. Isso inclui criptografia, controle de acesso restrito aos dados, monitoramento de sistemas e treinamento de pessoal.
3) Notificação de Incidentes: Em caso de incidentes de segurança que possam resultar em risco ou dano relevante aos titulares, a empresa deve notificar imediatamente o condomínio, que por sua vez deverá comunicar a ANPD e os titulares, conforme a LGPD.
4) Auxílio no Exercício dos Direitos dos Titulares: A empresa deve colaborar com o condomínio para garantir que os direitos dos condôminos (acesso, exclusão, revogação de consentimento, etc.) sejam atendidos de forma eficaz e dentro dos prazos legais.
5) Exclusão Segura dos Dados: Ao término do contrato ou mediante solicitação do condomínio, a empresa deve garantir a exclusão segura e definitiva de todos os dados biométricos coletados, fornecendo comprovação dessa exclusão.
O Papel do Síndico e da Administradora
O síndico, como representante legal do condomínio, é o principal responsável por garantir a conformidade com a LGPD. Suas responsabilidades incluem:
A administradora do condomínio, por sua vez, atua como um apoio ao síndico, auxiliando na gestão e na implementação das políticas de privacidade. É crucial que a administradora também esteja alinhada com as diretrizes da LGPD e ofereça suporte adequado ao condomínio nesse processo.
A Importância da Documentação e da Governança
Para garantir a conformidade e demonstrar a boa-fé no tratamento dos dados, condomínios e empresas de segurança devem manter uma documentação completa e atualizada de todas as suas atividades relacionadas à proteção de dados. Isso inclui:
A governança em privacidade e proteção de dados deve ser um processo contínuo, com revisões periódicas das políticas e procedimentos para garantir que permaneçam eficazes e em conformidade com as mudanças na legislação e nas tecnologias.
Diante da recusa de um condômino em aderir ao sistema de biometria facial, a empresa de segurança e o condomínio devem adotar um protocolo de ação claro, transparente e, acima de tudo, em conformidade com a LGPD e o direito de livre acesso do morador à sua unidade. A prioridade deve ser sempre a garantia dos direitos do titular dos dados, sem comprometer a segurança do ambiente condominial.
1) Comunicação Clara e Educativa
O primeiro passo é estabelecer uma comunicação proativa e educativa com o condômino. Muitas recusas podem ser motivadas por falta de informação ou por receios legítimos sobre a privacidade e segurança de seus dados. O condomínio, em conjunto com a empresa de segurança, deve:
2) Oferta de Alternativas de Acesso
Este é o ponto crucial para a conformidade com a LGPD e o respeito ao direito de acesso do condômino. O condomínio deve obrigatoriamente oferecer e implementar uma ou mais alternativas de acesso que não dependam da biometria facial. As alternativas devem ser eficazes e não podem gerar ônus ou constrangimentos adicionais ao condômino. Exemplos incluem:
É fundamental que a alternativa oferecida seja prática e não gere atrasos significativos ou situações vexatórias para o condômino. O objetivo é garantir que o morador tenha o mesmo nível de conveniência e segurança no acesso, independentemente de sua escolha em relação à biometria.
3) Documentação e Registro
Todo o processo de comunicação e oferta de alternativas deve ser devidamente documentado. Isso inclui:
Essa documentação serve como prova da boa-fé do condomínio e da empresa de segurança em cumprir a LGPD e respeitar os direitos dos condôminos, sendo essencial em caso de questionamentos ou denúncias à ANPD.
4) Treinamento da Equipe de Segurança e Portaria
É imperativo que toda a equipe de segurança, porteiros (físicos e remotos) e funcionários do condomínio recebam treinamento adequado sobre a LGPD e os procedimentos a serem adotados em caso de recusa da biometria. O treinamento deve abordar:
O constrangimento, como o relatado por Gisele Brito [1], é uma violação grave dos direitos do condômino e pode gerar responsabilidade para o condomínio. Um treinamento eficaz minimiza esses riscos.
5) Auditoria e Revisão Contínua
A conformidade com a LGPD não é um evento único, mas um processo contínuo. Condomínios e empresas de segurança devem realizar auditorias periódicas para garantir que os procedimentos estejam sendo seguidos e que as medidas de segurança dos dados biométricos (e de outros dados pessoais) sejam eficazes. Isso inclui:
Condômino que se recusa após já ter cadastrado: O condômino tem o direito de revogar o consentimento a qualquer momento. O procedimento deve ser o mesmo: documentar a revogação, excluir os dados biométricos do sistema e oferecer uma alternativa de acesso.
Visitantes e Prestadores de Serviço: A regra do consentimento livre e informado também se aplica a visitantes e prestadores de serviço. A coleta de biometria facial para esses grupos também exige consentimento explícito e a oferta de alternativas. A simples captura de imagem para monitoramento é diferente do armazenamento de dados biométricos.
Casos de Urgência/Emergência: Em situações de urgência ou emergência (ex: incêndio, atendimento médico), o acesso deve ser garantido independentemente do sistema de biometria ou da recusa do condômino. A segurança da vida e da integridade física prevalece. No entanto, mesmo nesses casos, o tratamento de dados deve ser o mínimo necessário e justificado.
Ao seguir esses procedimentos, condomínios e empresas de segurança não apenas cumprem a lei, mas também constroem uma relação de confiança com seus moradores, demonstrando compromisso com a privacidade e a segurança de todos.
A implementação de sistemas de reconhecimento facial em condomínios, embora promissora em termos de segurança e eficiência, exige uma abordagem equilibrada e profundamente alinhada com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o respeito aos direitos fundamentais dos condôminos. A recusa de um morador em fornecer seus dados biométricos não deve ser vista como um obstáculo, mas como uma oportunidade para o condomínio e a empresa de segurança demonstrarem seu compromisso com a privacidade e a conformidade legal.
É imperativo que síndicos, administradoras e empresas de segurança compreendam que a biometria facial, por ser um dado sensível e imutável, demanda um tratamento diferenciado e rigoroso. O consentimento livre, informado e inequívoco é a base para a legitimidade de sua coleta, e a oferta de alternativas de acesso é uma obrigação legal, não uma opção.
Ao adotar uma postura proativa, transparente e educativa, os condomínios podem transformar um potencial ponto de conflito em um fortalecimento da relação de confiança com seus moradores. Isso implica em:
Em última análise, a segurança de um condomínio não se mede apenas pela robustez de seus sistemas tecnológicos, mas também pela solidez de suas políticas de privacidade e pelo respeito incondicional aos direitos de seus moradores. Navegar na era da biometria facial com sucesso significa encontrar o ponto de equilíbrio onde a inovação tecnológica coexiste harmoniosamente com a proteção da privacidade e a liberdade individual.
Advogada, inscrita na OAB/CE sob o número 10.570, com experiência em Direito Previdenciário, com ampla atuação e conquistas no âmbito de aposentadorias especiais e benefícios de segurados especiais, e atuação no terceiro setor. Ampla atuação também no Direito Imobiliário, assessorando imobiliárias e corretores, na esfera administrativa e judicial.
Graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, ano de 1995.
Pós-graduação em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, ano de 2022.
Pós Graduanda em Direito Imobiliário pela UNIFAMETRO – Centro Universitario Fametro, 2024 e 2025.
Curso de Tecnico em Transações Imobiliárias – TTI – 2024 – 1 – EBET.
Ampla habilidade para lidar com pessoas.
Lista de habilidades técnicas e interpessoais relevantes para a vaga
Elaborei e apresentei peças processuais em diversas instâncias.
Conduzi negociações e medições extrajudiciais.
Obtive sucesso em diversos processos, resultando em indenizações para clientes.
Habilidades e Competências: Redação de peças processuais,. conhecimento em legislação civil, negociação e mediação, sustentação oral, Inglês avançado
[1] G1. “Sou obrigado a fazer reconhecimento facial no meu prédio? Veja perguntas e respostas sobre o tema”. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2025/07/12/reconhecimento-facial-no-meu-predio-veja-perguntas-e-respostas-sobre-o-tema.ghtml.
[2] Planalto. “Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD)”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. .
[3] Idec. “Reconhecimento facial em condomínio: o uso de câmeras e os direitos dos consumidores”. Disponível em: https://idec.org.br/dicas-e-direitos/reconhecimento-facial-em-condominio-direitos-de-consumidores.
[4] LinkedIn. “Como proceder caso seja impedido de entrar em um condomínio por não ter biometria facial?”. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/guia-como-proceder-caso-seja-impedido-de-entrar-em-um-qwynf.