A locação verbal ainda é realidade comum no mercado imobiliário, especialmente quando proprietários e ocupantes mantêm relação antiga ou de confiança. Embora não seja proibida, ela produz efeitos jurídicos muito restritos, e compreender esses limites é essencial para que corretores orientem compradores, vendedores e ocupantes. Dois julgados recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo ajudam a esclarecer a diferença entre locação verbal, comodato e mera posse, e mostram como a caracterização correta da relação é decisiva na solução de conflitos.
No primeiro caso (TJSP, Apelação nº 1002338-36.2016.8.26.0238) o ocupante alegava ser inquilino e buscava exercer o direito de preferência para adquirir o imóvel que fora vendido a terceiros. A Justiça, contudo, enfatizou que o direito de “haver o imóvel para si”, previsto no art. 33 da Lei do Inquilinato, só existe quando há contrato escrito e averbado na matrícula do imóvel. Como a relação era apenas verbal, o Tribunal reconheceu que não existe eficácia real nesse tipo de vínculo, ou seja, sem contrato escrito não há averbação e, sem averbação, não há direito de preferência. Esse entendimento reforça que a locação verbal pode até regular a permanência do ocupante, mas não confere instrumentos jurídicos para impedir ou reverter a venda do imóvel.
O segundo julgamento (TJSP, Apelação nº 1003885-03.2017.8.26.0586) aprofunda um aspecto ainda mais sensível, a distinção entre locação, comodato e simples posse tolerada. No caso, o autor alegava que a ocupante seria locatária e, por isso, deveria ser despejada por falta de pagamento. Entretanto, não havia prova de contraprestação, elemento essencial da locação. O Tribunal destacou que o simples acerto para que a ocupante arcasse com o IPTU, obrigação que pode ser exigida até em ocupações gratuitas, não representa pagamento de aluguel nem cria onerosidade, razão pela qual esse fato não basta para configurar relação locatícia. A ausência de recibos, testemunhas ou qualquer comprovação de pagamento levou o Tribunal a concluir que não se tratava de locação, mas de comodato, que é gratuito por definição. Quando não há remuneração, não há locação; quando não há locação, a ação de despejo se torna inadequada. O que se discute, nesse cenário, não é a dissolução de um contrato locatício, mas a retomada da posse, que deve ser buscada por meio de ação de reintegração de posse.
Esses precedentes ilustram como a caracterização jurídica da ocupação influencia de maneira direta nas medidas cabíveis. A locação verbal pode existir, mas exige prova de pagamento para ser reconhecida como tal. Se não há remuneração, a ocupação tende a ser enquadrada como comodato; se tampouco houver elementos que revelem um empréstimo gratuito formalizado, a situação pode se aproximar da posse decorrente de mera tolerância. Para o corretor, compreender as diferenças evita orientações equivocadas e permite antecipar problemas em negociações, principalmente quando se lida com imóveis ocupados, vendas urgentes ou regularizações pendentes. Entender se a relação é locação, comodato ou posse tolerada não é um detalhe técnico, mas o ponto de partida para que as soluções jurídicas adotadas sejam eficazes, legítimas e seguras.