Por Flávia Pinheiros — Mediadora, Administradora de imóveis e Especialista em Gestão Contratual com IA para o mercado imobiliário.
Semana passada, uma cliente me procurou com uma pergunta que tem se tornado cada vez mais comum no meu escritório: “Flávia, é verdade que agora posso investir em imóveis com pouco dinheiro através dessa tal de tokenização?”. Sorri, porque essa mesma dúvida surgiu três vezes só naquele dia.
A resposta é sim. E não, não é pegadinha nem esquema duvidoso. É tokenização de imóveis – uma realidade que chegou ao Brasil para democratizar o que sempre foi privilégio de poucos.
Depois de 23 anos atuando no mercado imobiliário, posso dizer que esta é uma das transformações mais significativas que presenciei. E o melhor: finalmente temos uma tecnologia que trabalha a favor do pequeno investidor, não contra ele.
Descomplicando a tokenização
Vou explicar tokenização do jeito que explico para minha mãe de 78 anos. Imagine que você e eu compramos um apartamento juntas. Fazemos um contrato dizendo que você tem direito a 30% e eu a 70%. Simples, não é?
A tokenização funciona da mesma forma, só que em vez de duas pessoas, podem ser centenas. E em vez de papel, tudo fica registrado numa tecnologia chamada blockchain – que é como um cartório digital impossível de falsificar.
Se um apartamento vale R$ 500 mil, ele pode virar 500 tokens de R$ 1.000 cada. Você compra 10 tokens, tem direito a 2% daquele imóvel. Recebe 2% dos aluguéis, tem 2% dos ganhos se o imóvel valorizar.
Não é ficção científica. É matemática.
O que mudou na minha prática
Nos últimos dois anos, vi surgir uma nova categoria de cliente: pessoas que sempre quiseram investir em imóveis mas nunca tiveram R$ 300 mil disponíveis. Professores, enfermeiros, comerciantes que finalmente encontraram uma porta de entrada para o mercado que sempre admiraram de longe.
A diferença mais notável é o perfil: clientes mais jovens, mais conectados tecnologicamente, mas com o mesmo sonho de sempre – construir patrimônio através do mercado imobiliário. Eles chegam com pesquisa feita, sabem o que querem, mas precisam de orientação sobre os riscos.
Claro que nem tudo são flores. Como qualquer inovação, a tokenização traz oportunidades e riscos. Por isso escrevo este artigo – para que você tome decisões informadas, não por impulso.
Por que tokenizar faz sentido
Durante décadas, o mercado imobiliário brasileiro funcionou com as mesmas regras: ou você tinha muito dinheiro, ou ficava de fora. Comprar um apartamento de R$ 400 mil significava desembolsar R$ 400 mil. Ponto final.
A tokenização quebra essa lógica. Não porque é moderna ou tecnológica, mas porque resolve problemas reais:
O problema da exclusão: Sempre me incomodou ver clientes que entendiam de investimentos, tinham disciplina financeira, mas simplesmente não conseguiam juntar o valor de entrada de um imóvel. A tokenização permite que essas pessoas comecem com valores menores e construam patrimônio gradualmente.
O problema da liquidez: Já acompanhei clientes esperando oito meses para vender um apartamento. Com tokens, a venda pode acontecer em dias, através de plataformas digitais. Não é garantia, mas é uma possibilidade que não existia antes.
O problema da diversificação: Em vez de colocar todos os ovos numa cesta (um imóvel só), você pode distribuir o mesmo valor em frações de vários imóveis, em bairros diferentes, com perfis diferentes.
Os números que impressionam (e preocupam)
A consultoria Deloitte projeta que a tokenização criará um mercado de US$ 4 trilhões até 2035. No Brasil, startups já comercializaram licenças para tokenizar imóveis em 100 municípios. São números que chamam atenção, mas também acendem sinais de alerta.
Quando um mercado cresce muito rápido, sempre aparecem oportunistas. Já recebi clientes que quase investiram em tokens de “imóveis” que nem existiam. Por isso, minha primeira orientação é sempre: investigue antes de investir.
A realidade legal brasileira
Aqui mora uma questão fundamental que poucos explicam claramente. No Brasil, ainda não temos uma regulamentação específica para tokenização de imóveis. Temos orientações, mas não regras definitivas.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou o Parecer de Orientação 40 em 2022, estabelecendo quando um token pode ser considerado valor mobiliário. A regra é simples: se você compra o token esperando lucrar com aluguéis ou valorização, provavelmente ele é um valor mobiliário e deve seguir regras específicas.
Na prática, isso significa que nem toda tokenização é igual. Algumas seguem regras rigorosas de transparência e proteção ao investidor. Outras… bem, outras navegam em águas mais turvas.
Casos que acompanhei de perto
A tokenização funciona quando bem estruturada, mas escolher bem é fundamental. Já orientei clientes que tiveram experiências muito positivas com plataformas consolidadas, obtendo rendimentos consistentes sem as complicações da administração predial tradicional.
Por outro lado, também evitei que alguns investissem em “oportunidades” questionáveis – empresas sem autorização adequada, projetos sem licenças ou plataformas que prometiam rendimentos irreais.
A grande lição é que tokenização é uma ferramenta poderosa, mas como qualquer ferramenta, seu resultado depende de como é usada.
Os diferentes sabores da tokenização
Nem toda tokenização é igual. Identifico três modelos principais:
Tokenização para renda: Você compra tokens, recebe aluguéis proporcionais. É como um fundo imobiliário, mas com menos burocracia. Ideal para quem busca renda passiva.
Tokenização para propriedade: Você realmente “compra” uma fração do imóvel. Mais complexo juridicamente, mas pode dar mais segurança para alguns perfis.
Tokenização para uso: Popular em imóveis de temporada. Você compra direito de usar o imóvel por determinados períodos. Funciona bem para quem quer uma casa de praia, mas não pode comprar uma inteira.
Red flags que aprendi a identificar
Depois de acompanhar dezenas de casos, desenvolvi um “radar” para identificar oportunidades duvidosas:
Promessas irreais: Ninguém garante 20% ao ano sem risco. Se alguém promete, desconfie.
Falta de transparência: Se você não consegue visitar o imóvel, ver documentos ou entender exatamente seus direitos, não invista.
Pressão por urgência: “Última chance”, “só hoje”, “restam poucas vagas” – essas frases são sinais de alarme.
Empresas sem histórico: Prefira plataformas que já tokenizaram outros imóveis com sucesso comprovado.
O que vem pela frente
A tokenização chegou para ficar. Com o lançamento do Drex (moeda digital brasileira), esperamos ainda mais integração entre sistema financeiro tradicional e tokenização.
Acredito que em cinco anos será comum encontrar tokens imobiliários nos portfólios de investidores conservadores. Não por modismo, mas porque a tecnologia resolve problemas reais de um mercado tradicionalmente exclusivo.
Minha orientação prática
Se você tem interesse em tokenização imobiliária, sugiro este roteiro:
Comece estudando. Entenda blockchain, leia sobre as empresas do setor, acompanhe notícias regulatórias. Conhecimento é sua melhor proteção.
Escolha plataformas consolidadas. Prefira empresas com histórico, transparência e, preferencialmente, respaldo jurídico sólido.
Comece pequeno. Invista valores que não comprometerão seu orçamento se algo der errado. Trate como aprendizado.
Diversifique sempre. Não coloque tudo num token só, nem numa plataforma só.
Acompanhe de perto. Tokenização ainda é mercado jovem. Mudanças regulatórias podem afetar seus investimentos.
Reflexão final
A tokenização representa algo que sempre defendo: democratização do acesso. Durante décadas, investir em imóveis de qualidade foi privilégio de poucos. Agora, pela primeira vez, vejo uma tecnologia que nivela o campo de jogo.
Isso não significa que todos devem tokenizar ou que é investimento sem risco. Significa que temos uma ferramenta nova, com potencial real, que merece atenção séria.
Como sempre digo aos meus clientes: “Inovação sem prudência é especulação. Prudência sem inovação é estagnação.” A tokenização exige as duas coisas.
O futuro do mercado imobiliário está sendo escrito agora. A pergunta não é se a tokenização vai crescer, mas como você vai se posicionar diante dessa transformação.
E você? Está preparado para essa nova realidade?
Quem vê resultados, nem sempre conhece a história.
Sou Flávia Pinheiros Costa, formada em Direito há 23 anos. Pós-graduada em Direito Imobiliário, Sistêmico, Contratual, Canônico e de Família. Atualmente, curso Inteligência Artificial para Advogados e sou mestranda em Mediação de Conflitos.
Mas o que realmente me move são pessoas.
Escutar histórias.
Ajudar a construir acordos.
Trazer clareza onde antes havia conflito.
E fazer do Direito uma ponte — não um muro.
Minha trajetória é marcada pela escuta ativa, pela conexão humana e pela busca constante por soluções que respeitem a lei e as relações.
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E, acima de tudo, sou alguém que acredita que ética, escuta e evolução diária são inegociáveis.
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