Há, no mundo dos investimentos, o consenso de que a diversificação é a melhor estratégia para gerenciamento de risco, traduzido em jargão popular no ditado “não coloque todos seus ovos em uma cesta só”. Sendo assim, devemos nos indagar por que bancos e outros agentes financiadores de projetos imobiliários investem todos seus recursos em algumas seletas incorporadoras, as famosas “campeãs nacionais”.
Esse modelo foi desastroso no passado e ainda continua apresentando falhas. No Brasil temos como exemplo mais evidente a quebra da Encol. Quando sua falência foi decretada, ela deixou mais de 40 mil clientes que compraram seus imóveis na planta sem recebê-los e mais de 600 obras em andamento foram paralisadas. Ao fim da década de 90, quando um dólar era cotado a menos de dois reais, a dívida acumulada da Encol atingiu mais de dois bilhões de reais em cerca de trinta e oito bancos e instituições financeiras. A empresa se tornou tão grande que a sua derrocada impactou toda a economia do país, o seu sistema financeiro e foi responsável direta por mudanças na legislação, como a implementação do Patrimônio de Afetação.
O caso Encol nos remete à China atual, mas em proporções muito maiores. A incorporadora China Evergrande passa por dificuldades financeiras que demandarão imenso aporte financeiro do governo chinês para que não venha a falir. Ela deve mais de 300 bilhões de dólares para 282 bancos e instituições financeiras e possui 1300 empreendimentos em andamento. Caso ela efetivamente venha à falência, milhões de pessoas serão prejudicadas e diversos bancos encerrarão suas atividades.
A lição aprendida nestes dois casos emblemáticos é óbvia: acionar o sistema financeiro para alavancar e subsidiar o crescimento de apenas alguns seletos players é um risco assimétrico e insustentável, como demonstram estes exemplos históricos. Por outro lado, investir nos pequenos também traz seus riscos, pois os pequenos e médios incorporadores imobiliários historicamente possuíam menor acesso à informação, know-how mais limitado e uma governança corporativa falha. Sendo assim, investir em uma empresa que pratica confusão patrimonial com seus sócios e que não possui uma organização interna clara e voltada para o negócio soa uma má ideia.
É exatamente aqui que acontece o ponto de inflexão no mercado imobiliário.
Vivemos hoje a era da informação. O conteúdo que até dez ou vinte anos atrás era disponível quase exclusivamente aos grandes players do mercado imobiliário, por ser inacessível e caro, hoje é encontrado em abundância na Internet e através de livros e cursos. Com o modelo peer to peer, nos beneficiamos diretamente da expertise de quem entende profundamente das diversas áreas do ciclo da incorporação: desde a prospecção de terrenos, passando pela organização interna da empresa, a gestão de obras e até os processos de venda. Pela primeira vez na história inexiste o abismo no acesso à informação que separava os grandes dos pequenos incorporadores imobiliários.
A parte mais sensível desta mudança está nas práticas de governança corporativa. Grandes empresas, especialmente as de capital aberto, buscam transparência e responsabilidade corporativa em todos seus atos. Elas prezam pelas boas práticas corporativas para se manterem no mercado, trazendo segurando a seus agentes financiadores.
Com este recente acesso à informação os pequenos e médios players agora podem melhor organizar suas empresas, por terem profissionais mais capacitados e por haver uma nova consciência: caixa e equipe devem ser preservados em bons períodos para conseguirem navegar com maior tranquilidade os anos difíceis. Nas incorporadoras essa evolução se evidencia no número de novas empresas certificadas pelo ISO 9001 e pelo PBQP-h. As pequenas incorporadoras agora também sabem efetivamente separar Pessoa Física e Jurídica, além de buscarem qualificação nos processos e uma melhor organização interna, evolução que vem acontecendo em ritmo acelerado.
Assim sendo, com a adoção das melhores práticas pelas pequenas e médias empresas, se torna indefensável o costume e argumento de que se devem eleger para financiamento apenas as grandes empresas do mercado. Principalmente no campo fundamental às instituições financeiras: gerenciamento de risco, conceito que inaugura este artigo. O professor líbano-americano Nassim Taleb, ao formular a ideia de antifragilidade, nos ensina que esta descentralização de recursos seria uma escolha antifrágil, pois dispersaria os riscos que antes eram concentrados apenas nos grandes players, suavizando a volatilidade sistêmica que, apesar de ser inerente ao mercado imobiliário, pode e deve ser atenuada.
Em suma: concentrar poder demais em poucos players é uma escolha ruim para o mercado imobiliário e ruim para o sistema financeiro brasileiro. Como, pela primeira vez, o abismo no acesso à informação e na governança corporativa foi desfeito entre grandes e pequenos/médios incorporadores, a lógica centralizadora de recursos começou a ser pulverizada.
Nos próximos anos veremos essa mudança no mercado imobiliário. Ao invés de 10 grandes players com acesso a cheques em branco do sistema financeiro, veremos 500, 1.000, 2.000 ou mais incorporadores com acesso a financiamentos imobiliários, fundos imobiliários e outras formas de alavancagem. A vez dos pequenos e médios incorporadores imobiliários chegou.
Caio Lobo é incorporador imobiliário há mais de 10 anos. É sócio e diretor comercial da Mitro Construtora e Incorporadora e se considera um entusiasta do mercado imobiliário, compartilhando sempre conteúdos relacionados ao tema no perfil do Instagram @oincorporador