Por Flávia Pinheiros – Mediadora, Administradora de imóveis e Especialista em Gestão Contratual com IA para o mercado imobiliário.
No primeiro artigo desta série, exploramos como a Inteligência Artificial está revolucionando os contratos de locação, transformando documentos estáticos em ferramentas dinâmicas e preditivas. Agora, é hora de olhar além da tecnologia e entender quem está por trás da implementação desses avanços: a administradora de imóveis.
No mercado imobiliário contemporâneo, assinar um contrato é apenas o ponto de partida. A verdadeira jornada começa com a convivência entre locador e inquilino — e, entre eles, quem ocupa um papel cada vez mais estratégico é a administradora de imóveis.
Em tempos em que agilidade, personalização e segurança jurídica são exigências mínimas, a administradora que atua apenas como “operadora de boletos” está fadada à obsolescência. O futuro da locação está nas mãos de quem compreende que bons contratos são relações vivas — e que confiança é um ativo de longo prazo.
A administradora como guardiã da relação e do patrimônio
Ao contrário do que muitos ainda acreditam, administrar imóveis não se resume a emitir boletos ou cobrar atrasos. Uma administradora eficaz atua desde a triagem responsável do inquilino, passando pela mediação de expectativas, até a resolução ágil e respeitosa de eventuais conflitos.
Na Pinheiros Costa Administradora, empresa da qual sou sócia, cerca de 80% dos locadores estão conosco há mais de 7 anos. Essa longevidade é fruto de um trabalho centrado na confiança, na clareza contratual e na escuta ativa. O inquilino, quando bem tratado, também fica: muitos dos nossos clientes encerram um contrato apenas para iniciar outro, dentro da mesma base de gestão.
E mesmo quando surgem desafios — como a inadimplência, que em nossa carteira representa menos de 1 a cada 100 contratos ativos — o tratamento não é punitivo, é orientativo. Dialogamos, buscamos acordos e, quando necessário, orientamos a desocupação voluntária de forma humanizada, evitando judicializações e protegendo o patrimônio do locador. Porque boa gestão não é apenas sobre fluxo de caixa: é sobre preservar relações e ativos com inteligência emocional e técnica.
Estudo de caso: Transformando conflito em cooperação
Um exemplo concreto desse trabalho ocorreu em 2022, quando assumimos a gestão de um edifício com 32 unidades no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Uma das unidades estava envolvida em um conflito que se arrastava por quase 8 meses: um inquilino corporativo que enfrentava problemas financeiros pós-pandemia acumulava um débito significativo e o proprietário estava prestes a iniciar uma ação de despejo.
Ao invés de dar continuidade ao confronto, implementamos nosso protocolo de Mediação Preventiva:
1) Realizamos reuniões separadas com ambas as partes para compreender o contexto completo
2) Mapeamos as necessidades reais do proprietário (fluxo de caixa mínimo e segurança patrimonial)
3) Identificamos as limitações temporárias do inquilino (reestruturação de negócio com horizonte definido)
4) Propusemos um acordo estruturado com: pagamento parcial imediato, calendário progressivo de regularização e garantias adicionais temporárias
O resultado? Um acordo que permitiu ao inquilino permanecer no imóvel por mais 16 meses, regularizando completamente sua situação nos primeiros seis. O proprietário evitou os custos de uma ação judicial (estimados em R$12 mil) e o período de vacância (que representaria cerca de R$46 mil em rendimentos perdidos). Mais significativo ainda: a relação foi preservada e o contrato renovado por mais 30 meses após a regularização.
Economia total para o proprietário: aproximadamente R$58 mil Benefício para o inquilino: preservação da sede em momento crítico + economia em custos de mudança (aproximadamente R$70 mil)
Esta não é uma história excepcional em nossa atuação — é o padrão que buscamos em cada intervenção.
O que o mercado está (aos poucos) aprendendo
De acordo com a ABADI (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis), o valor médio dos honorários de administração gira entre 6% a 10% do valor do aluguel mensal. No entanto, o que se entrega por esse percentual varia muito. Em muitos casos, os serviços se limitam à gestão financeira básica, sem uma atuação mais robusta em mediação, gestão jurídica, visitas técnicas ou inteligência contratual.
Esse modelo superficial pode parecer econômico a curto prazo, mas sai caro ao longo dos anos. A ausência de acompanhamento personalizado resulta em mais ações judiciais, maior rotatividade de inquilinos e maior desgaste emocional e financeiro para o locador.
Um estudo da DataZAP+ em 2023 mostrou que 48% dos conflitos entre locador e inquilino no Brasil derivam de falhas de comunicação ou expectativas desalinhadas — exatamente os dois pontos onde a administradora pode (e deve) atuar como mediadora preventiva.
O custo real da administração superficial
Para muitos proprietários, a decisão de economizar 2% ou 3% no valor da administração parece sensata à primeira vista. Porém, os números contam uma história diferente. De acordo com o SECOVI-SP, o custo de um mês de vacância representa, em média, 3,5 vezes o valor economizado anualmente com uma administração mais barata.
Em nossa análise de portfólios, observamos que imóveis geridos por administradoras com atuação superficial apresentam:
Um caso emblemático: analisamos dois edifícios similares na região de Moema. No primeiro, com administração tradicional, a rotatividade média era de 1,8 anos por contrato e 14% das unidades enfrentaram ações judiciais em um período de 5 anos. No segundo, com administração ampliada, a permanência média dos inquilinos era de 4,2 anos e apenas 2% das unidades passaram por processos judiciais no mesmo período.
A diferença em rendimento líquido para os proprietários? 18,7% ao longo de 5 anos.
O Perfil do Novo Inquilino Digital
A transformação no mercado de locações não é impulsionada apenas pela tecnologia, mas também pelas novas expectativas dos inquilinos. Uma pesquisa conduzida pela Digital Real Estate (2023) identificou mudanças significativas no perfil dos locatários:
O inquilino contemporâneo não busca apenas um espaço — busca uma experiência de moradia ou trabalho. Ele valoriza transparência, agilidade e sente-se atraído por administradoras que utilizam tecnologia para facilitar processos, mas mantêm o fator humano nos momentos decisivos.
Em nossa administradora, implementamos um sistema de Jornada do Inquilino que mapeia todos os pontos de contato, desde o interesse inicial até o encerramento do contrato. Em cada etapa, definimos claramente o que pode ser automatizado e o que exige intervenção humana. O resultado? Um NPS (Net Promoter Score) de 87 — significativamente acima da média do setor, que é de 42.
O que vi em Lisboa: administradora como intérprete jurídico e cultural
Essa leitura crítica não vem apenas da prática brasileira. Em 2023, participei de uma imersão profissional em Lisboa, onde pude visitar empresas como a Spotahome, HomeLovers e Lisbon Property Rentals, que atuam com foco em estrangeiros e investidores.
Ali, a administradora não é apenas uma prestadora de serviço: ela é consultora jurídica, intérprete cultural, curadora de patrimônio. As locações são geridas por meio de plataformas híbridas que combinam tour virtual com atendimento humano, análise automatizada com escuta ativa, e documentação digital com aconselhamento jurídico personalizado.
O diferencial? A experiência do cliente é contínua, mesmo após a assinatura do contrato. Há acompanhamento ativo, feedbacks recorrentes e um entendimento claro de que a permanência do inquilino é tão estratégica quanto sua entrada. Essa lógica ainda é incipiente no Brasil, mas está emergindo em nichos como locações corporativas, de temporada e alto padrão.
Ferramentas práticas para administradoras modernas
A transformação da administradora tradicional em ponte estratégica exige mais que intenção — requer ferramentas adequadas. Três implementações têm demonstrado resultados consistentes em nossa experiência:
1) Sistema de Gestão de Relacionamento Expandido (xCRM)
Ao contrário dos CRMs tradicionais que tratam inquilinos e proprietários como “clientes genéricos”, desenvolvemos um sistema que mapeia toda a rede de relacionamentos e interações. Além das informações contratuais básicas, registramos:
Esta abordagem nos permite personalizar cada contato e antecipar necessidades. Um exemplo prático: nosso sistema identifica automaticamente quando um inquilino está próximo de uma data importante (renovação, reajuste) e gera alertas para contatos preventivos personalizados, reduzindo em 78% as surpresas desagradáveis e os conflitos derivados de expectativas desalinhadas.
2) Protocolo de Intervenção Gradual (PIG)
Desenvolvemos um fluxo estruturado para gestão de situações potencialmente conflituosas, baseado em quatro níveis de intervenção:
O diferencial? Cada nível tem métricas claras de sucesso e protocolos específicos. Isso nos permite identificar em qual momento cada situação deve escalar, evitando tanto a passividade excessiva quanto a judicialização precipitada. De todas as situações que entram neste protocolo, 92% são resolvidas nos níveis 1 e 2, sem necessidade de formalização ou ação legal.
3) Dashboard de Saúde da Carteira (DSC)
Criamos um painel visual que apresenta a “saúde” de cada contrato em tempo real, baseado em indicadores como:
Este painel permite que nossa equipe priorize intervenções e aloque recursos de forma inteligente, focando esforços onde há maior potencial de geração de valor ou mitigação de riscos. O impacto? Aumento de 34% na eficiência da equipe e redução de 76% no tempo médio de resolução de problemas.
O elo invisível: tecnologia com alma
Como explorado no primeiro artigo desta série, a tecnologia transformou profundamente o setor imobiliário. Plataformas de gestão, integrações com inteligência artificial, automação contratual — tudo isso já é realidade. Mas nada disso substitui a escuta ativa, o bom senso e a gestão com empatia.
A administradora do futuro — e já do presente — é aquela que usa tecnologia como apoio, não como atalho. É aquela que fala a língua do contrato e também a linguagem da confiança. Que antecipa conflitos, não apenas os resolve. A IA pode otimizar processos e análises, como vimos no artigo anterior, mas é o fator humano que transforma dados em relacionamentos duradouros.
A voz de quem vive essa transformação
O impacto dessa abordagem é melhor capturado nas palavras de quem a vivencia diariamente:
“Depois de três experiências frustrantes com imobiliárias tradicionais, encontrar uma administradora que entende que meu apartamento não é apenas um investimento, mas parte do meu planejamento de vida, mudou completamente minha visão sobre locação. A diferença está no detalhe: eles sabem quando precisam de mim e quando podem resolver sozinhos.” — Carlos M., proprietário de 3 imóveis em São Paulo.
“Como inquilina estrangeira, o que mais me impressionou foi como a administradora se antecipou a questões que eu nem sabia que existiam no contexto brasileiro. Eles não apenas explicaram o contrato, mas traduziram para mim o ‘não escrito’ nas relações imobiliárias daqui.” — Sarah L., executiva expatriada.
“Calculei que nos últimos cinco anos economizei mais de R$90 mil em custos diretos e indiretos graças à gestão proativa. O valor da administração não é custo, é investimento com retorno mensurável.” — Roberto K., investidor imobiliário.
Estas não são apenas histórias de satisfação — são evidências de que o mercado está evoluindo e valorizando cada vez mais a administração como serviço estratégico, não como commodity.
Conclusão: quem cuida com profundidade, colhe permanência
O mercado imobiliário amadureceu. Locadores querem segurança sem burocracia. Inquilinos querem autonomia com suporte. A única figura capaz de equilibrar esses interesses, com isenção e estratégia, é a administradora de imóveis preparada — técnica, empática e atualizada.
A administradora é, sim, um contrato vivo. Ela é o elo que garante que patrimônio e pessoas coexistam com clareza, proteção e longevidade. E no cenário atual de transformação digital que discutimos no primeiro artigo desta série, seu papel se torna ainda mais relevante: humanizar a tecnologia e tecnificar o humano, na medida certa.
E no fim das contas, a verdadeira fidelização não está no contrato — está no cuidado com ele.
No próximo artigo, veremos como esses conceitos se materializam na prática, através de casos concretos de implementação de contratos inteligentes e gestão patrimonial digitalizada, demonstrando o verdadeiro potencial da integração entre tecnologia avançada e gestão humanizada.
Quem vê resultados, nem sempre conhece a história.
Sou Flávia Pinheiros Costa, formada em Direito há 23 anos. Pós-graduada em Direito Imobiliário, Sistêmico, Contratual, Canônico e de Família. Atualmente, curso Inteligência Artificial para Advogados e sou mestranda em Mediação de Conflitos.
Mas o que realmente me move são pessoas.
Escutar histórias.
Ajudar a construir acordos.
Trazer clareza onde antes havia conflito.
E fazer do Direito uma ponte — não um muro.
Minha trajetória é marcada pela escuta ativa, pela conexão humana e pela busca constante por soluções que respeitem a lei e as relações.
Atuo como:
E, acima de tudo, sou alguém que acredita que ética, escuta e evolução diária são inegociáveis.
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