Quando Carlos Naupari precisou se mudar do exterior para São Paulo a trabalho, em fevereiro, ele começou a procurar por imóveis para alugar sem achar nenhum do qual gostasse realmente. Em março, ele encontrou, online, um apartamento no Itaim Bibi, em um prédio que já conhecia. Por conta da urgência em conseguir alugar um local e devido à toda a situação de quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus, o jeito foi arriscar e alugar o local que havia conhecido somente pelas telas. E não é que deu certo? “O fato de não poder visitar pessoalmente não comprometeu muito o processo, eu diria. Eu já gostava muito desse prédio, já tinha ido a outros apartamentos naquele prédio anteriormente, e isso facilitou minha decisão. Hoje em dia, temos fotos, o corretor também me mandou um vídeo. Então eu me sinto muito confortável com a minha decisão”, diz. O empresário avalia que a experiência de alugar um imóvel 100% online, prática que deve se tornar cada vez mais recorrente, foi boa e bastante simples.
Carlos talvez tenha sido um dos primeiros, no Brasil, a experimentar a nova realidade de imobiliárias, incorporadoras e construtoras brasileiras, que precisaram se adaptar rapidamente à situação de isolamento social imposta pelo coronavírus. Para continuar a fazer negócios, o ramo imobiliário brasileiro começou a fazer uso de uma série de tecnologias que antes, ou simplesmente não eram usadas ou ainda estavam restritas. “Com base nas experiências das empresas filiadas, constatamos que a digitalização veio, para boa parte das empresas, não como um processo normal. As empresas tiveram que pular toda uma programação e se digitalizar de uma hora para outra. Quem estava preparado conseguiu tirar mais proveito. Mas quem não estava teve de correr à beça para se ajustar às necessidades do ‘novo normal’”, diz o arquiteto Márcio Schneider, presidente da ABMI (Associação Brasileira do Mercado Imobiliário).
E muitas destas mudanças trazidas pela digitalização forçada pela qual passa grande parte do mercado, provavelmente, vieram para ficar. Confira, a seguir, as principais novidades do mercado imobiliário que não devem ir embora tão cedo:
A possibilidade de fechar um negócio de maneira totalmente digital é, provavelmente, a maior e mais significativa mudança que imobiliárias e corretoras adotaram durante a pandemia. “Não se falava em assinar contrato imobiliário digitalmente. Você assinava um contrato digital para coisas como uma assinatura de streaming, mas não para comprar um imóvel. E, de repente, isso se tornou imperativo. Hoje, nem pensamos mais em um mundo sem contrato digital para o mercado imobiliário”, diz o diretor de Marketing e Novos Negócios da construtora MRV, Rodrigo Resende. “Todos aqueles paradigmas que existiam foram atropelados. Não deu nem tempo de discutir a adoção destes contratos com o departamento jurídico, foi tudo atropelado. E esse atropelamento veio no sentido de favorecer o cliente e construtora. Os dois tiveram vantagem. O cliente pode, da sua casa, ler o contrato, com calma, consultar seu advogado e tomar uma decisão de forma pensada, sem pressa de assinar”.
Para a construtora e incorporadora Even, a adoção dos contratos digitais também tem sido positiva. “A nossa experiência com a digitalização tem sido muito positiva, auxiliando corretores e clientes. A digitalização permite que todo o processo de compra de um imóvel seja feito remotamente, de forma rápida e cômoda. Atualmente, é possível comprar um imóvel da Even em outra cidade ou Estado e não precisar comparecer nem mesmo para assinar a escritura do imóvel. Isso é uma conveniência com a qual o cliente não contava há tempo atrás”, afirma Marcelo Dzik, Diretor Comercial e de Clientes da Even.
Para além do mercado imobiliário, movimentos de outros setores e ramos econômicos também vêm facilitando a compra de imóveis durante o período atual de pandemia. A queda histórica na taxa Selic (taxa básica de juros do País) certamente auxilia na retomada do setor, que foi impactado sobretudo entre os meses de março e abril, quando a pandemia começou a se espalhar no Brasil. Com os juros baixos, a aprovação facilitada e digital de crédito para possíveis compradores de imóveis também tem um papel importante, como ressalta Rodrigo Resende, da MRV. “Aprovar crédito não era uma tarefa simples. Tinha que imprimir documento, fazer xerox, levar pessoalmente, e hoje não. Hoje, você aprova o crédito tirando a foto do seu documento a partir do seu celular, na sua casa, e em questão de minutos você tem a resposta se seu crédito foi ou não aprovado, e aí você pode comprar uma casa. Isso é uma revolução para o mercado imobiliário”.
As câmeras e aplicativos de realidade aumentada têm se tornado grandes aliados do ramo imobiliário durante o período. Com a redução do número de visitas diárias realizadas aos imóveis e a adoção rígida de novos procedimentos de segurança, os clientes têm achado cada vez mais cômodo conhecer bem a casa ou apartamento pelo qual têm interesse antes de visitar o local.
Para muitas imobiliárias, as fotos e vídeos em 360º dos imóveis não são novidades, mas foram muito intensificadas com a pandemia. É o caso da construtora Even e da incorporadora Idea!Zarvos. “Estamos atualizando nosso site com Tour Virtual 360 de todos os nossos imóveis decorados, para que o cliente consiga sentir como é uma visita”, diz o diretor comercial da Even, Marcelo Dzik. A Idea!Zarvos ressalta que o momento exige que todos, clientes e time de vendas, aprendam a usar cada vez mais este tipo de recurso. “Já usávamos o tour virtual, a diferença é que intensificamos esse uso uma vez que as visitas aos decorados não era possível. Acredito que todos nós aprendemos a lidar melhor com as novas tecnologias, tanto o time de vendas como os clientes. Muitas delas vieram sim para ficar, como é o caso do tour virtual, das assinaturas digitais, e do atendimento por vídeo”, afirma Fernando Moliterno, gerente comercial da empresa.
Já a imobiliária Axpe achou uma maneira de tornar os tours virtuais um pouco mais pessoais para os clientes interessados em um imóvel. “Muitos proprietários se disponibilizam a gravar vídeos dos seus imóveis mostrando em detalhes a vista da janela, o hall de entrada… É inclusive uma oportunidade para que eles apresentem o imóvel, que conhecem melhor do que ninguém, enquanto filmam e falam. É algo bem caseiro, mas já conseguimos fechar negócios desta forma”, explica Martim Cazarin, sócio da Axpe. “Mas, claro, também temos um fotógrafo que vai nos imóveis, quando os proprietários permitem. Ele, além de fazer um vídeo profissional dos imóveis, ele também faz fotos em 360º, que ajudam bastante o interessado sem que ele precise visitar os imóveis para conhecê-los”.
E, para a JHSF, que também já tinha uma presença digital marcante há alguns anos, a maior procura por fotos e tour virtuais vem a partir dos aplicativos da empresa. “No ano passado, lançamos o ‘JHSF Real Estate Sales’, plataforma que permite ao usuário conhecer e comprar imóveis desenvolvidos pela JHSF 100% por meio digital. E, nos últimos meses, notamos aumento significativo de procura e visita ao aplicativo. Isso aconteceu junto com o processo de queda de juros e durante a pandemia, tanto pelo maior interesse em ter uma propriedade, quanto pela restrição de visitar stands físicos. Na medida em que passarmos a ter imóveis para locação, esse app integrará também essa possibilidade”, avalia Thiago Alonso de Oliveira, CEO da JHSF.
Não é exagero falar em uma possível mudança cultural quando se trata de negócios imobiliários. Pense em como você tradicionalmente escolheria um imóvel antes da pandemia: provavelmente, você visitaria uma grande quantidade de propriedades pessoalmente e caminharia pelos diversos bairros onde estão antes de tomar sua decisão. A pandemia pode alterar bastante esta realidade: o que a imobiliária Axpe tem feito, por exemplo, são visitas cada vez mais assertivas. “Nós agora fazemos um filtro muito bom antes de realizar uma visita com um cliente interessado. Fazemos este filtro mandando vídeos e fotos, então o cliente só vai visitar aquele imóvel que tem certeza absoluta de que já gostou. Isso é uma mudança de comportamento muito grande”, diz Martim Cazarin, sócio da imobiliária.
É claro que, assim como na maioria dos negócios, a experiência física e o fator humano sempre serão relevantes quando falamos em comprar uma casa ou apartamento. O que Márcio Schneider, presidente da ABMI, acredita é que o mundo digital, digamos, otimizou algumas etapas de todo este processo. “O imóvel, muitas vezes, é o sonho de uma vida inteira. Por isso é fundamental utilizar o mundo digital para romper burocracias, acelerar processos, sem nunca, porém, esquecer – com pandemia ou sem – que somos seres humanos, e nossos negócios são feitos com outros seres humanos”, reflete.