Cessão de direitos e indisponibilidade de bens: quando o cartório pode ou não recusar o registro

Imagine a seguinte situação: um corretor intermedeia a venda de um imóvel que ainda não está no nome do vendedor na matrícula do cartório, mas ele tem um contrato válido de cessão de direitos que permite essa transação. A escritura é feita, tudo parece certo — mas, ao tentar registrar, o cartório recusa. O motivo? Indisponibilidade de bens em nome dos vendedores.

Essa situação é mais comum do que se imagina, e entender os detalhes pode evitar prejuízo e frustração. Vamos direto ao ponto, com base em um caso real julgado recentemente.

 

O caso

Foi apresentada ao cartório uma escritura pública de cessão de direitos e compra e venda de um imóvel. Ocorre que, ao qualificar o título (ou seja, ao analisar se ele pode ou não ser registrado), o cartório consultou a Central de Indisponibilidade de Bens e encontrou ordens de bloqueio em nome dos cedentes, ou seja, das pessoas que estavam transferindo os direitos sobre o imóvel.

Diante disso, o cartório se recusou a registrar o título, alegando que essas indisponibilidades impediam a transmissão da propriedade.

A parte interessada recorreu, alegando que:

  • A escritura foi assinada antes das ordens de indisponibilidade;
  • Os cedentes nem eram os proprietários oficiais no registro, apenas intermediários na cadeia de cessões;
  • E que a única indisponibilidade atual no registro (na matrícula) era posterior à celebração da escritura.

 

A decisão

O entendimento do Tribunal foi o seguinte, e aqui está o que realmente importa para você, corretor de imóveis:

1) O cartório deve sim consultar a Central de Indisponibilidade antes de registrar qualquer transmissão de imóvel.

2) Se a ordem de indisponibilidade for anterior ao contrato de cessão de direitos, o cartório pode recusar o registro, pois o negócio teria sido feito quando os bens já estavam bloqueados.

3) Mas se a indisponibilidade foi decretada depois que a cessão foi feita, o negócio é válido. Não é justo bloquear uma operação que já havia sido feita de boa-fé, antes da ordem judicial.

No caso analisado, as ordens de bloqueio nos nomes dos cedentes eram posteriores à data da escritura. Ou seja, não deveriam impedir o registro. Porém, havia uma ordem de indisponibilidade em nome da pessoa que consta como proprietária oficial do imóvel na matrícula, essa sim, impede o registro. E por isso o recurso foi negado.

 

O que o corretor precisa entender disso?

Corretor que lida com cessão de direitos precisa estar atento a três pontos fundamentais:

  • Quem é o proprietário oficial na matrícula? Ele é quem realmente pode transferir o imóvel. Se estiver com os bens indisponíveis, nenhuma venda pode ser registrada, mesmo que exista uma longa cadeia de contratos anteriores.
  • Quando foi feita a cessão de direitos? Se foi antes de qualquer bloqueio, ela continua válida. Se foi depois, o risco é alto.
  • Cessões intermediárias (não registradas) não impedem o registro, desde que os bloqueios tenham sido decretados depois dessas cessões. O cartório só deve barrar se houver uma relação clara entre a cessão e uma indisponibilidade pré-existente.

 

Conclusão

Esse caso reforça uma verdade essencial no mercado imobiliário: a matrícula do imóvel é a “verdade oficial” e, na prática, é ela que manda. A cessão de direitos é uma ferramenta legítima e válida, mas para garantir o registro, é necessário verificar a situação da matrícula e das pessoas envolvidas com muito cuidado.

Indisponibilidades decretadas depois da escritura de cessão não impedem o registro, o cartório não pode barrar o negócio por isso. Mas se o dono oficial do imóvel estiver com bens bloqueados, o cartório vai negar, e não há como escapar. Ficar atento a isso pode evitar a perda de tempo e até de comissões.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Barbara Belnoski

Advogada especializada em Direito Imobiliário, é sócia fundadora de um escritório de advocacia com atuação voltada à assessoria jurídica no mercado imobiliário. Com sólida experiência na área, também atua como Membro Relatora da Comissão de Direito à Cidade e da Comissão de Compliance e Governança Jurídica da OAB/PR.
Teve passagem pela CEFISP – Comissão de Ética e Fiscalização do Exercício Profissional do CRECI-PR, contribuindo ativamente para a regulação e boas práticas do setor. Reconhecida por sua atuação técnica e ética, é referência em consultoria jurídica para incorporadoras, construtoras, imobiliárias e investidores do setor.

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