Doação, usufruto e a extinção da ação: um caso que ensina

Corretores experientes sabem: no Direito Imobiliário, o que vale é o que está registrado. Essa regra, muitas vezes negligenciada por clientes, deve ser uma premissa inegociável para profissionais que prezam por segurança jurídica em suas negociações. Um caso judicial recente evidencia esse ponto com contundência.

Na situação em questão, um ex-marido buscou anular uma escritura pública de doação com cláusula de usufruto firmada por sua ex-sogra e ex-cunhadas. A doação conferia a ele e à ex-esposa o usufruto do imóvel, enquanto a nua-propriedade foi atribuída aos filhos do casal. Após o divórcio, ele alegou que o imóvel teria sido adquirido com recursos próprios, e apresentou uma declaração, com firma reconhecida, de familiares da ex-esposa, admitindo essa versão dos fatos.

O objetivo da ação era claro: anular a doação para obter a propriedade plena do imóvel, já que, como usufrutuário, ele não conseguia vender o bem sem o consentimento dos filhos, titulares da nua-propriedade. No entanto, o Judiciário foi categórico ao extinguir a ação sem resolução do mérito. O motivo? Falta de legitimidade ativa.

Como o nome do autor constava na matrícula do imóvel apenas como usufrutuário — e não como proprietário —, ele não detinha legitimidade jurídica para pleitear a anulação da doação. A Justiça reconheceu que, sem constar como titular da propriedade no registro, não havia como sustentar o direito alegado. O documento particular apresentado — ainda que com firma reconhecida — não tinha força para superar a escritura pública registrada.

Esse caso ilustra com clareza a força e a segurança que o registro imobiliário oferece. Para corretores de imóveis, a lição é valiosa: declarações informais, acordos verbais ou documentos particulares não substituem a formalização registral. Especialmente em situações que envolvem doações com cláusula de usufruto, sucessões ou disputas familiares, é essencial verificar com rigor o que consta na matrícula.

A doação com reserva de usufruto é uma estrutura jurídica consolidada, que separa o direito de uso e fruição (usufruto) da titularidade da propriedade (nua-propriedade). Modificá-la exige não apenas fundamentação jurídica robusta, mas, principalmente, legitimidade e respaldo documental formal. Sem isso, não há ação judicial que prospere.

Corretores atentos a esses detalhes não apenas evitam riscos nas negociações, mas se destacam como profissionais estratégicos, capazes de orientar seus clientes com clareza e segurança. Verificar a matrícula e entender a estrutura jurídica do imóvel são atitudes que elevam o nível da corretagem e protegem todas as partes envolvidas.

Em suma: quem não consta como proprietário na matrícula não tem poder de dispor ou questionar a propriedade. E para o corretor de imóveis, essa verdade deve estar sempre no radar. O registro imobiliário não é mera burocracia — é o alicerce legal da negociação.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Barbara Belnoski

Advogada especializada em Direito Imobiliário, é sócia fundadora de um escritório de advocacia com atuação voltada à assessoria jurídica no mercado imobiliário. Com sólida experiência na área, também atua como Membro Relatora da Comissão de Direito à Cidade e da Comissão de Compliance e Governança Jurídica da OAB/PR.
Teve passagem pela CEFISP – Comissão de Ética e Fiscalização do Exercício Profissional do CRECI-PR, contribuindo ativamente para a regulação e boas práticas do setor. Reconhecida por sua atuação técnica e ética, é referência em consultoria jurídica para incorporadoras, construtoras, imobiliárias e investidores do setor.

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