A incorporação imobiliária é uma das operações mais completas e reguladas do setor. Por isso mesmo, exige atenção multidisciplinar em todas as suas fases — do estudo de viabilidade à entrega das unidades. Sob a perspectiva jurídica, cada etapa carrega riscos potenciais que, se não forem mapeados com precisão, podem comprometer o empreendimento como um todo.
Neste artigo, abordamos os principais cuidados a serem observados em cada fase da incorporação imobiliária, com foco na prevenção de litígios e na conformidade legal do projeto.
Tudo começa com o estudo de viabilidade. Mais do que avaliar retorno financeiro e mercado consumidor, é nesse momento que se analisam restrições urbanísticas, ambientais e legais do terreno. A destinação do solo, o zoneamento aplicável, o coeficiente de aproveitamento e a presença de áreas de preservação permanente são dados que não apenas moldam o projeto, como definem se ele é juridicamente viável. Uma análise incompleta nessa etapa pode gerar impactos relevantes — desde a inviabilidade de aprovação do projeto até o comprometimento das etapas posteriores.
Na sequência, vem a aquisição do terreno. A matrícula sem ônus não é suficiente. É necessário verificar a cadeia dominial completa, possíveis litígios em andamento, pendências ambientais e a adequação urbanística da área. Além disso, é comum que, em projetos maiores, a titularidade do imóvel precise ser consolidada antes do registro da incorporação, o que torna ainda mais relevante a regularidade registral e documental desde o início. Eventuais fragilidades fundiárias ou documentais, se não tratadas nessa fase, tendem a comprometer etapas seguintes — como o registro da incorporação ou a obtenção de financiamento.
Com o terreno devidamente adquirido, inicia-se a fase de desenvolvimento do projeto e obtenção das aprovações técnicas. Esse é o momento em que a atuação jurídica e técnica deve estar alinhada. O projeto deve observar as exigências da legislação local, do plano diretor e, tecnicamente, seguir as diretrizes da NBR 12721, que define os critérios para cálculo de áreas privativas e comuns, fundamentais para a formalização do memorial de incorporação. Licenças ambientais, alvarás de construção e demais autorizações administrativas também devem ser reunidas com atenção, já que a ausência ou imprecisão em qualquer desses documentos pode comprometer a fase seguinte.
A etapa de registro da incorporação imobiliária representa a formalização jurídica do empreendimento. Para que o registro seja deferido, é essencial que o memorial de incorporação esteja completo, coerente com o projeto aprovado e acompanhado da documentação exigida pela Lei 4.591/64, incluindo as respectivas Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs). Inconsistências entre os documentos, omissões ou desconformidades com o que está aprovado em órgão público podem levar a exigências cartorárias que atrasam significativamente o cronograma.
Com o projeto registrado, têm início a comercialização das unidades e a execução da obra. Esse momento exige atenção especial aos contratos firmados com os adquirentes, aos materiais de divulgação utilizados e à condução do relacionamento com o cliente. A correta aplicação da Lei do Distrato (Lei 13.786/18), a definição clara de índices de reajuste, prazos e penalidades, bem como a aderência dos contratos ao conteúdo do memorial registrado, são aspectos que impactam diretamente o nível de judicialização do empreendimento. Além disso, a publicidade deve ser compatível com o que foi efetivamente aprovado e registrado, sob pena de configuração de propaganda enganosa.
Por fim, a fase de entrega das unidades requer organização documental e segurança jurídica. A obtenção do habite-se, a averbação da construção junto ao cartório de registro de imóveis, a regularização da convenção de condomínio e o atendimento adequado ao cliente no pós-venda são etapas que, quando mal conduzidas, geram demandas judiciais relacionadas a prazos, vícios construtivos e divergências contratuais. A formalização completa da entrega, aliada à transparência no relacionamento com os adquirentes, contribui para mitigar riscos nessa fase final.
A incorporação imobiliária exige rigor em cada etapa. Os cuidados jurídicos não se limitam ao momento de registro ou comercialização, mas percorrem todo o ciclo do projeto. Identificar e tratar os riscos específicos de cada fase, com visão técnica e atuação preventiva, é o que sustenta empreendimentos juridicamente seguros e comercialmente viáveis.
Advogada, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC Campinas.
Pós-graduada em direito e negócios imobiliários pelo Instituto Damásio de Direito da IBMEC São Paulo.
Extensão universitária em direito contratual, negociação e formação contratual, due diligence imobiliária, incorporação imobiliária, loteamentos, direito registral e notarial, multipropriedade, direito tributário, compliance empresarial e outros.
Especialista em contratos, com atuação principal voltada para a estruturação e assessoria consultiva de negócios imobiliários e atrativos turísticos.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário — IBRADIM, com participação nas comissões de Negócios Imobiliários e Incorporação Imobiliária.