Negócio fechado, cláusula aberta: os riscos da redação imprecisa nos contratos imobiliários

No ritmo acelerado das negociações imobiliárias, onde a confiança entre as partes e a agilidade no fechamento dos negócios são fundamentais, os contratos acabam muitas vezes reduzidos a meras formalidades. Modelos prontos, inteligência artificial e ferramentas automatizadas facilitam o preenchimento de minutas — mas nenhuma tecnologia substitui o discernimento técnico necessário para garantir que o contrato diga exatamente o que foi combinado. Quando surgem divergências, é o documento assinado que prevalece, não a boa intenção nem os acordos verbais. E é nesse ponto que muitos negócios bem encaminhados se transformam em verdadeiros impasses.

O que se combinou verbalmente pode ter valor, mas sem previsão clara e objetiva no contrato, é frágil. Quando a negociação se desgasta, o contrato deixa de ser um simples registro e passa a ser a referência — e, se ele não traduz com precisão o que as partes pretendiam, a insegurança jurídica se instala. Um contrato mal redigido não protege: ele expõe.

Em contrapartida, um contrato bem redigido, claro e detalhado, transmite confiança e tranquiliza as partes envolvidas, fidelizando o cliente e criando uma base sólida para futuras transações. Ele é a garantia de que as intenções de ambas as partes foram devidamente formalizadas e protegidas, evitando disputas e promovendo a continuidade de bons negócios.

O panorama judicial brasileiro reforça a importância da boa redação contratual. De acordo com o relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os contratos figuram entre os temas mais litigados, respondendo por 5,22% das ações na Justiça de primeiro grau. O dado evidencia um cenário em que muitas disputas poderiam ser evitadas com instrumentos contratuais mais claros, coerentes e completos — especialmente no setor imobiliário, onde os valores são elevados e as expectativas, igualmente altas.

Um caso concreto ajuda a ilustrar essa realidade. Um corretor de imóveis firmou um contrato de locação residencial para ocupar um imóvel que também estava sob sua responsabilidade de venda. Verbalmente, ficou acertado que ele deixaria o imóvel tão logo a venda fosse concluída. O contrato, porém, previa apenas uma cláusula genérica estabelecendo 90 dias para desocupação após a venda, sem vincular expressamente a extinção da locação ao ato de alienação. O contrato era por prazo determinado de 30 meses e, conforme dispõe a Lei do Inquilinato, durante esse período o locatário tem direito à permanência, salvo exceções legais específicas. O imóvel foi, de fato, vendido. No entanto, o corretor se negou a desocupar o bem, apoiando-se no prazo contratual. A cláusula, que parecia funcional, revelou-se juridicamente inócua — e o que era para ser uma solução prática tornou-se o ponto de origem do conflito.

Esse tipo de situação, infelizmente, não é exceção. Cláusulas mal formuladas não apenas colocam em xeque a segurança jurídica do negócio, como também afetam a imagem profissional de quem conduziu a transação. O corretor, que muitas vezes atua como elo entre as partes e referência de confiança para ambas, pode ser visto como corresponsável por um impasse que poderia ter sido evitado com maior atenção ao texto contratual. A redação de um contrato não se limita à formalização do acordo: ela revela o grau de preparo e responsabilidade de quem o apresenta.

Casos assim mostram o quanto é arriscado confiar que “o combinado resolve”. Cláusulas que envolvem desocupações condicionadas à venda, revisões de valores futuras ou obrigações atreladas a eventos precisam ser tratadas com técnica e atenção. Termos genéricos, prazos mal definidos ou redações ambíguas deixam espaço para interpretações — e onde há dúvida, há risco.

Por isso, mesmo que o corretor não seja o redator direto do contrato, é essencial que ele compreenda as implicações das cláusulas que endossa. Saber identificar riscos, sugerir ajustes e, se necessário, recomendar a revisão por um advogado de confiança pode evitar prejuízos materiais e preservar relações comerciais valiosas. Em um mercado cada vez mais competitivo, diferenciam-se os profissionais que, além de vender imóveis, entregam também segurança e visão de longo prazo.

O contrato, afinal, não é apenas um documento para arquivar: é uma ferramenta de proteção do negócio e da relação comercial. Quando bem redigido, ele reduz conflitos, evita prejuízos e reforça a segurança para todas as partes. E mais: um contrato claro e funcional transmite profissionalismo e zelo. O cliente que percebe esse cuidado tende a voltar — porque confia que está sendo bem assessorado, inclusive nos detalhes que fazem toda a diferença.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Barbara Belnoski

Advogada especializada em Direito Imobiliário, é sócia fundadora de um escritório de advocacia com atuação voltada à assessoria jurídica no mercado imobiliário. Com sólida experiência na área, também atua como Membro Relatora da Comissão de Direito à Cidade e da Comissão de Compliance e Governança Jurídica da OAB/PR.
Teve passagem pela CEFISP – Comissão de Ética e Fiscalização do Exercício Profissional do CRECI-PR, contribuindo ativamente para a regulação e boas práticas do setor. Reconhecida por sua atuação técnica e ética, é referência em consultoria jurídica para incorporadoras, construtoras, imobiliárias e investidores do setor.

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