Publicado por O Estado de São Paulo*
O ano de 2020 afetou consideravelmente algumas classes de Fundos Imobiliários (FIIs), principalmente os que investem em shoppings e lajes comerciais. Mas houve um segmento que se desenvolveu no ano passado, ainda que de maneira tímida: os residenciais. As expectativas da indústria são positivas para esse tipo de fundo, mas as previsões indicam que serão necessários alguns anos para um ganho mais robusto de musculatura.
De maneira geral, o retorno desses produtos decorre da locação de apartamentos, mas as teses de cada um deles variam. Há fundos que adquirem total ou parcialmente as unidades de um ou mais prédios, por exemplo. Já os aluguéis podem ser de curta, média e longa temporada, e destinados para públicos de diferentes níveis de renda.
Quatro fundos formam o mercado nacional atualmente, sendo que o primeiro lançado tem pouco mais de um ano de história. Juntos, eles detêm 1.270 unidades – 686 prontas e 584 em construção – em 11 empreendimentos localizados nas cidades de São Paulo (SP), Campinas (SP), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR), de acordo com um levantamento realizado pelo Santander e enviado em primeira mão ao E-Investidor.
Há somente quatro fundos do tipo no mercado brasileiro. A maior parte dos ativos investe no mercado de São Paulo.
A quantidade ainda é muito aquém de um País com mercado imobiliário aquecido e com elevado déficit habitacional. Nos Estados Unidos, o segmento residencial é o segundo maior em valor de mercado e só perde para infraestrutura – entre os Real Estate Investment Trusts (REATs), os FIIs norte-americanos.
“Existem operadores nos EUA com mais de 100 mil unidades gerenciadas”, afirma Felipe Vaz, analista de fundos imobiliários da Santander Corretora e um dos responsáveis pelo estudo que analisa o segmento residencial no Brasil.
Apesar de enxergar muito potencial de crescimento dentro da indústria nacional, Vaz entende que ainda há desafios para a consolidação dos FIIs no Brasil. Para 2021, por exemplo, ele avalia que as chances são maiores para novas captações dos fundos existentes, do que para a criação de novos produtos.
“Não há muito histórico desse tipo de operação, de quanto é o retorno para o investidor ou o quão difícil é a dinâmica do segmento”, diz o analista. “Não vai ter crescimento de uma hora para outra. Leva um prazo de cinco a dez anos até ter um histórico de operação, que consiga mostrar como um operador conseguiu fazer uma gestão melhor do inquilino ou conseguiu extrair um rendimento mais atrativo. São teses que ainda estão sendo aprovadas.”
A mudança de comportamento dos consumidores e o elevado déficit habitacional são dois fatores que corroboram para o otimismo com os FIIs residenciais no Brasil. Em 2019, o déficit habitacional atingiu 5,8 milhões de moradias, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro. A estimativa é que o País demandará mais de 30,7 milhões de novos domicílios até 2030.
Do ponto de vista comportamental, o desejo tradicional pelo imóvel próprio tem disputado espaço com a locação, seja pela dificuldade financeira do investimento, como pela burocracia que pode envolver um financiamento. Um estudo da Deloitte e da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) indica que, nos próximos 5 anos, 20% das pessoas pretendem alugar em vez de comprar um imóvel.
No mercado, a locação tem cada vez mais contornos de serviço, em uma espécie de uberização da moradia. Muitos empreendimentos apostam na oferta de muitos itens e comodidades – prioridades dos consumidores que não planejam viver por muito tempo no mesmo lugar.
Do ponto de vista de investimento, adquirir um imóvel para locação pode ser menos atrativo do que investir em cotas de fundos. O estudo do Santander mostra que a diferença de rendimento entre um FII e a compra de um aluguel para locação pode superar os R$ 54 mil em três anos, considerando um investimento de R$ 300 mil. Para a comparação, foram considerados dados do Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (IFIX B3), além de custos com reforma e corretagem, e cobrança ou isenção de impostos.
Mas há também alguns desafios para os FIIs que apostam na tese de locação para renda. Em geral, os fundos buscam adquirir pelo menos 51% do total de unidades dos empreendimentos, de forma a ter maioria nas decisões referentes aos condomínios. Isso esbarra no fator tempo, já que ativos com essa disponibilidade podem estar em fase inicial de construção, o que levará algum tempo até que as unidades sejam alugadas.
“Devido ainda à pulverização do mercado, uma vez que os imóveis residenciais para aluguel estão ‘espalhados’, os novos empreendimentos que fazem mais sentido para os FIIs estão sendo desenvolvidos especificamente com esse objetivo. O mercado deve crescer gradualmente”, avalia Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter.
Existem outros desafios ligados à operação dos empreendimentos. A captura de clientes, a gestão da vacância e a inadimplência dos inquilinos estampam alguns exemplos. Como as teses são diferentes entre fundos, essas características podem ser muito dinâmicas. Unidades locadas para temporadas mais curtas precisam de um acompanhamento bem diferente daquelas que se baseiam em contratos de aluguéis convencionais. Por isso, a eficiência e a própria construção de um histórico disso devem levar algum tempo para serem mensuradas.
Embora existam barreiras de entrada e teses a serem comprovadas, quatro produtos já estão nas prateleiras. Mesmo com pouco tempo de história, o fundo mais recente é de janeiro deste ano. Qquem está por trás desses negócios estão satisfeitos com a trajetória que já foi construída até agora e otimistas com os planos de expansão.
O primeiro fundo imobiliário residencial, criado em dezembro de 2019, é o Luggo (LUGG11), gerido pelo Banco Inter. O produto tem 100% de participação em quatro empreendimentos que compõem o portfólio. Todos estão em operação, com uma alta taxa de ocupação (97,3%) e baixa inadimplência (1,1%). Os prédios, localizados em Belo Horizonte, Campinas e Curitiba, foram desenvolvidos pela MRV (MRVE3) e são administrados pela Luggo, startup do grupo.
“Os planos são de voltar a captar ainda em 2021, mas vai depender do mercado”, diz Vitória, economista-chefe do Inter. “O FII Luggo tem capital autorizado de até R$ 1 bilhão, então esse é o potencial que vemos.”
Para a economista, o segmento residencial tem muito potencial para crescimento devido à baixa penetração no Brasil. Uma das vantagens que ela cita é uma gestão única de um empreendimento, que evita a competição predatória na oferta de unidades para aluguel. “Outra atrativo é uma administração centralizada, que é mais eficiente e reduz os custos”, diz.
Com patrimônio líquido de R$ 98,6 milhões e 4,4 mil cotistas até 16 de abril, o LUGG11 tem dividend yield anualizado de 6,1%. Quanto à operação dos empreendimentos, a locação é de longo prazo, focada no público de baixa e média renda e com os aluguéis entre R$ 1,1 mil e R$ 1,7 mil.
Outro fundo que já é negociado no mercado é o Rio Bravo Renda Residencial (RBR11), criado em setembro de 2020. Apesar de já estar em operação, os três empreendimentos investidos pelo fundo ainda estão obras, dos quais a gestora tem 51%, 78% e 99% de participação em cada um.
Como os prédios ainda estão em fase de conclusão, a renda atualmente não decorre de aluguéis. A Rio Bravo Investimentos, que gere o produto, estruturou um mecanismo de renda mínima para os cotistas, equivalente a 8% ao ano, assegurada pela incorporadoras dos projetos. Após a entrega das unidades, a perspectiva é que uma administradora lide com as demandas de locação, de modo a manter essa rentabilidade.
Segundo Alexandre Rodrigues, sócio e coordenador de Investimentos Imobiliários da Rio Bravo, o fundo levantou R$ 100 milhões na primeira captação e a estimativa é realizar novas captações, de no mínimo R$ 50 milhões, para cobrir a totalidade dos investimentos que já foram feitos.
“Esse fundo tem todo o potencial para estar com patrimônio bilionário, assim como outros fundos da casa”, projeta Rodrigues. “Nosso objetivo é continuar crescendo e fazer com que esse seja um fundo grande com alta liquidez, um número de cotistas alto e com diversificação geográfica e de inquilinos”, afirma Rodrigues.
Os empreendimentos que constituem o RBRR11 são destinados à locação de curta e longa temporada, para o público de média e alta renda. A estimativa é que os aluguéis poderão variar de R$ 1,5 mil a R$ 7,7 mil (curta temporada) e de R$ 1,5 mil a R$ 6,2 mil (longa temporada).
Com dividend yield de 6,6%, o fundo da Rio Bravo tem pouco mais de mil cotistas e patrimônio líquido de R$ 101 milhões. Assim como o LUGG11, o RBRR11 possui um volume diário de negociação ainda baixo, de R$ 30,6 mil.
Em termos de liquidez, apenas o concorrente que mais se destaca é o do FII JFL Living, lançado em janeiro deste ano, com volume diário negociado de R$ 175 mil. O FII Housi, de fevereiro de 2020, possui uma média de R$ 29,9 mil de negociação por dia na bolsa de valores.
Além das gestoras, as incorporadoras, parte importante nesse negócio, também estão de olho e com planos ambiciosos para desenvolver empreendimentos com foco em renda. A Vitacon, do mesmo grupo da Housi, estima alcançar 50% dos seus ativos imobiliários para locação em até dois ano.
“Essa classe de ativos vai crescer por alguns motivos, um destes é a maturação natural do mercado”, avalia Ariel Frankel, CEO da Vitacon. “Faz muito sentido que os empreendimentos estejam cada vez mais na mão de investidores qualificados, que compram esses ativos ou constroem para esse tipo de locação.”
Texto: Isaac de Oliveira