A documentação de angariação e vistoria de imóveis: duas etapas subestimadas na locação residencial

A adoção de uma série de procedimentos internos adequados à legislação vigente é essencial para a concretização de um negócio com reduzidas chances de responsabilidade por parte do corretor ou da imobiliária responsável por sua mediação, independentemente do tipo do negócio imobiliário. No caso das locações, especialmente as residenciais, que geralmente envolvem negociações de alto fluxo e longa duração.

Para iniciar a relação da maneira adequada e evitar possíveis prejuízos na devolução do imóvel, existem dois pontos que devem ser observados. Para tanto, é de suma importância que um procedimento acertado não seja ignorado.

Vamos pensar no todo e, em seguida, aprofundar nosso foco em dois momentos frequentemente ignorados pela maioria:

  • Angariação do imóvel;
  • Agendamento para fotografias e assinatura da autorização; 3 – Disponibilização do anúncio no site da imobiliária;
  • Interessado entra em contato;
  • Visita do Imóvel (pode ocorrer mais de uma);
  • Envio de proposta (e eventualmente contraproposta); 7 – Fechamento do valor;
  • Escolha da garantia;
  • Envio dos documentos pelo pretenso locatário e fiador, se for o caso; 10 – Aprovação do cadastro;
  • Assinatura do contrato;
  • Inclusão da pasta no sistema (ou arquivo de documentos referente ao negócio); 13 – Realização da vistoria de entrada; e,
  • Entrega de chaves.

Basicamente, o processo de todas as imobiliárias é esse quando se está diante de uma locação residencial – ressalvadas questões específicas da região, da imobiliária responsável pela administração ou do negócio em si. O foco, a visão micro, será relacionado com os itens destacados. Infelizmente, ao contrário do que ocorre nas operações de compra e venda, a requisição de documentos relativos ao imóvel pela administradora não é prática tão comum.

Em outras palavras, como geralmente o interessado na divulgação possui amplo acesso ao imóvel (abre ou libera para a entrada dos corretores), muitas imobiliárias deixam de solicitar qualquer tipo documento do imóvel que se pretende ofertar para locação – por conta disso, alguns erros custosos podem ser cometidos. A importância da emissão da matrícula atualizada pela administradora decorre da necessidade de identificação de sujeitos da relação locatícia ou correlacionados a ela.

Afinal, ela é a contratada para representar interesses do locador, adotando e/ou acompanhando medidas negociais e administrativas. Como, por exemplo, instituição de envio de denúncia do contrato de locação, suporte em caso de inadimplência do locatário, envio da notificação do direito de preferência, entre tantos outros.

Como regra, o proprietário de uma coisa é quem pode dá-la em locação, mas não apenas ele. De acordo com a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, basta que o locador não proprietário tenha a posse do imóvel, quer como usufrutuário, comodatário, administrador. Isso ocorre considerando a ausência de tal exigência pela Lei 8.245/91, que caracteriza a relação locatícia como uma relação pessoal.

Assim, podem figurar como locador, entre outros, o proprietário do imóvel, o promissário comprador ou cessionário, o usufrutuário, o possuidor, o fiduciário e até o próprio locatário, se autorizado pelo locador a sublocar (SOUZA, Sylvio Capanema de. Da Locação do Imóvel Urbano. Direito e Processo. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2001, p.19).

Contudo, em alguns momentos, a lei de locações faz menção expressa à pessoa do proprietário, como é o caso:

  1. Da possibilidade de extinção da locação frente ao encerramento do usufruto ou fideicomisso, salvo se tiver havido aquiescência escrita do nuproprietário ou do fideicomissário, ou se a propriedade estiver consolidada em mãos do usufrutuário ou do fiduciário;
  2. Da necessidade de comprovação por parte do retomante, em ser proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do imóvel, nas hipóteses de denúncia cheia para uso próprio ou realização de obras aprovadas pelo Poder Público; e,
  3. De instrução de ação renovatória em caso de sublocação ou de ação de despejo se fundada em casos de obras aprovadas pelo Poder Público.

Por essa razão, acredito ser essencial que, logo na angariação, a imobiliária consiga identificar se o proprietário e locador são o mesmo sujeito e, em caso negativo, qual é a relação jurídica que permite que o locador ocupe tal posição. Ainda que não tenha sido citado, certo que na prática pode haver alta demanda de mercado que faça com que o corretor entre em contato para se inteirar do possível interesse na venda do imóvel já alugado.

Nesse último caso, a necessidade de identificação de quem é o proprietário do imóvel é obviamente inegável, sob pena de concorrer a uma venda nula. Superada essa etapa do procedimento, supondo que a documentação tenha sido coletada, as partes chegaram a um consenso quanto a valor e garantia e, por consequência, firmaram o contrato de locação pretendido.

É chegada a hora da realização da vistoria de entrada.

Nesse momento, a questão relativa à responsabilidade pelo custeio da vistoria não será abordada, ainda que se trate de tema objeto de controvérsias levantadas pela comunidade jurídica.

Apesar de quaisquer comentários adicionais quanto à responsabilidade de pagamento, é veementemente recomendado que os laudos sejam realizados por profissionais capacitados e que se evitem termos genéricos sem comprovação visual – como “bom estado de conservação” sem que seja acompanhado de fotografia do item mencionado. Isso porque tais parâmetros podem ser relativizados a depender de quem analisa a situação, sendo certo que, em caso de eventuais controvérsias, serão submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Portanto, serão analisadas por um juiz.

Deve-se ter em mente que a parte que faz determinada alegação é responsável por comprová-la. Ou seja, caso o locador decida ajuizar ação cobrando valores referentes a danos causados no imóvel locado, ele é quem deverá fazer prova acerca da sua existência e extensão.

Além disso, é de suma importância que a imobiliária comunique a data e horário que as vistorias (de entrada e saída) serão realizadas, sob pena de ser considerada como prova unilateral. Provas unilaterais não são aceitas como efetivas, aquelas que se prestam a embasar eventual decisão do juiz.

A comprovação do envio do laudo e a assinatura das partes é essencial para comprovação do acesso às informações ali contidas e da respectiva anuência, ressalvados os casos específicos de contestação.

Na maioria dos casos, os Tribunais têm entendido que a comprovação do envio do aviso de realização de vistoria é suficiente para validar o laudo confeccionado, mesmo naqueles casos em que uma das partes opte por não comparecer. De todo modo, é interessante analisar o modo de atuação da sua imobiliária para definir se é o caso da inserção de cláusulas contratuais a respeito desse procedimento administrativo.

Apesar do direito privado, como é o caso das locações residenciais, viabilizar que as partes disponham sobre questões omissas pela legislação vigente, é imprescindível que eventuais acordos sejam equilibrados, evitando a todo custo possíveis abusos de direito por uma das partes. Caso obrigações desproporcionais sejam atestadas, o Poder Judiciário pode afastar sua vigência ou necessidade de cumprimento, mesmo que disposta em contrato.

Concluímos, portanto, que a atenção dedicada à documentação de angariação e à vistoria de imóveis é essencial para alicerçar uma locação residencial sólida e livre de contratempos. O cuidado desde a identificação correta do locador até a realização de vistorias detalhadas reflete não apenas o profissionalismo da imobiliária, mas também a salvaguarda dos interesses de todas as partes envolvidas. Ao adotar essas práticas de maneira diligente, não apenas fortalecemos a base legal do processo, mas também contribuímos para a construção de relações locatícias mais transparentes e seguras, beneficiando tanto locadores quanto locatários.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

VICTÓRIA DIEZ

Advogada apaixonada pelo mercado imobiliário.

Nascida e criada em Londrina – PR, minha jornada acadêmica foi marcada pela busca constante pela excelência.

Concluí minha pós-graduação em Direito Empresarial na Escola Brasileira de Direito e aprofundei meu conhecimento em direito imobiliário ao obter meu título de especialista em direito e negócios imobiliários através do Master of Laws (LL.M) da Fundação Escola Superior do Ministério Público.

Durante meus cinco anos de atuação no dinâmico mercado imobiliário, dediquei-me intensamente à análise de riscos envolvendo transações e contratos imobiliários diversos. Para mim, a verdadeira maestria vem da combinação harmoniosa de diversas áreas de conhecimento, nos âmbitos prático e teórico.

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