É possível reservar unidades antes do registro da incorporação?

Com o vigor da Lei Federal nº 14.382/2022, o cenário jurídico das incorporações imobiliárias no Brasil experimentou significativas mudanças, trazendo consigo uma série de questionamentos e interpretações sobre as novas regras estabelecidas para o registro, venda e reserva de imóveis. Neste contexto, é fundamental compreender os pontos críticos da legislação e suas implicações práticas no mercado imobiliário.

Uma das alterações mais impactantes promovidas pela nova lei diz respeito ao momento em que o incorporador pode negociar, alienar ou onerar as unidades imobiliárias ou frações ideais de terreno correspondentes. Antes, a redação da Lei nº 4.591/1964 estabelecia restrições severas, vedando qualquer tipo de negociação antes do registro de incorporação.

Por exemplo, tornava proibitiva qualquer reserva, proposta, protocolo de intenções ou documento similar que, mesmo não envolvendo recursos financeiros, significasse algum tipo de negociação.

Com a mudança, ocorreu a substituição da palavra “negociar” por “alienar” ou “onerar” no artigo 32, oferecendo maior clareza e flexibilidade ao processo. Agora, apenas ações efetivas de venda ou promessa de venda estão vedadas antes do registro de incorporação, eliminando interpretações ambíguas e excessivamente restritivas.

Entretanto, a ambiguidade persiste no artigo 66 da nova lei, que mantém a palavra “negociar”, abrindo espaço para interpretações conflitantes e desafios jurídicos. Um exemplo recente, destacado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ilustra como a questão da reserva de unidades antes do registro de incorporação ainda gera controvérsias e debates.

A decisão proferida pelo TJSC no Agravo de Instrumento nº 5054611-66.2023.8.24.0000/SC representa um marco importante pós-Lei nº 14.382/22, ao enfrentar as alterações legislativas e abrir caminho para uma nova compreensão sobre a legalidade das reservas de unidades futuras. Essa decisão, apesar de específica para o caso em questão e em nível de liminar, abre precedentes importantes e traz reflexões sobre a legalidade e operacionalização do termo de reserva, lembrando que não estamos falando de uma decisão vinculante.

Apesar dos avanços trazidos pela nova legislação, ainda há pontos em aberto que demandam discussões entre os operadores do direito, como a possibilidade de cobrança antecipada pelo termo de reserva e a permissão de campanhas publicitárias para ofertas de reservas. Além disso, é essencial fornecer informações claras aos consumidores sobre a ausência do registro da incorporação e os direitos e obrigações decorrentes da reserva.

Em meio a essas incertezas, a decisão judicial mencionada oferece um norte para futuros casos semelhantes, destacando a necessidade de um entendimento claro e coerente da legislação para garantir segurança jurídica e estabilidade ao mercado imobiliário. A antinomia entre os artigos 32 e 66 da Lei de Incorporações demonstra a complexidade do tema, exigindo um debate aprofundado e uma análise cuidadosa para evitar conflitos interpretativos.

Em suma, as alterações promovidas pela Lei nº 14.382/2022 representam um avanço significativo no âmbito das incorporações imobiliárias, mas também levantam desafios e questões a serem enfrentadas pela comunidade jurídica. A busca por uma interpretação harmoniosa e coerente da legislação é fundamental para garantir a eficácia das novas regras e promover um ambiente jurídico favorável ao desenvolvimento do mercado imobiliário.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Najla Mota

Sócia-fundadora e advogada especialista em direito imobiliário, formada pela PUCPR e pós-graduada em Direito Imobiliário pela mesma instituição, além de possuir especialização em Direito Processual Civil pela UNIBRASIL e MBA em Mercado Imobiliário pela UFPR.

Com mais de 8 anos de experiência como advogada imobiliária, atua como especialista no setor jurídico interno de incorporadoras e construtoras de médio e alto padrão, assim como também atua na regularização de imóveis.

Seu foco reside em estabelecer soluções jurídicas seguras e personalizadas para cada negócio, garantindo uma abordagem meticulosa e adaptada às necessidades específicas de seus clientes.

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