A história dos financiamentos imobiliários no Brasil oferece um contexto interessante para entender a importância da alienação fiduciária para bens imóveis. A criação do SFH, na década de 1960, significou grande avanço aos programas habitacionais com apoio governamental. Entretanto os financiamentos operavam-se com base no sistema hipotecário que, malgrado bem-sucedido nos EUA, por aqui revelou-se frágil e pouco resolutivo. A desocupação de imóveis, quando inadimplidos os pagamentos, se arrastava na Justiça por vários anos.
Para completar, quando desocupados, os imóveis quase sempre estavam depredados pelos ex-mutuários. A solução adotada foi a admissão do sistema de alienação fiduciária para imóveis, que se provara bem-sucedida para bens móveis, em especial os automóveis. Nesta modalidade, não se transfere a propriedade ao comprador até que este conclua os pagamentos das prestações mensais contratadas. Ou seja, o bem permanece em nome do agente financiador. Isso agiliza sobremaneira a retomada de imóveis em caso de descumprimento contratual.
Pois bem! Em artigo de junho de 2024, denominado “Não há Tréguas no Ativismo Judiciário”, denunciei o desrespeito ao nosso Legislativo, ostensivamente exercitado pelo Poder Judiciário. O texto se referia ao Provimento nº 172, de 05 de junho de 2024, em que o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, ignorando a força da Lei 9.514/1997 e seus diversos aperfeiçoamentos, deu nova exegese ao seu art. 38. A interpretação impedia a alienação fiduciária de imóveis por instrumento particular. Ou seja, realizados por empresas privadas não vinculadas ao SFI.
Diz o art. 38 que: “Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes de sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”; e o §2º do art. 5º que: “As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI“.
No artigo acima citado, deixei claro que a Lei 9.514/97 já foi aperfeiçoada pelas seguintes e sucessivas Leis: nº 11.076, de 2004, nº 10.931, de 2004, nº 11.481, de 2007, nº 12.810, de 2013, nº 13.097, de 2015, nº 13.465, de 2017, nº 14.430, de 2022, nº 14.620, de 2023 e nº 14.711, de 2023.
Além do mais, o art. 38 e o § 2º do art. 5º acima foram especificamente atualizados pelas Leis 11.076 e 10.931, ambas de 2004. Sendo assim, não havia qualquer razão para que o CNJ pudesse alegar obsoletismo ou desatualização que justificasse o tal provimento.
Finalmente, nossos apelos fizeram prevalecer o bom senso. O corregedor nacional de Justiça, Mauro Luiz Marques, a pedido da União, suspendeu a interpretação dada pelo CNJ ao art. 38 da Lei 9.514. Ou seja, voltou a vigorar o texto original da lei, que permite a alienação fiduciária em garantia de imóveis por meio de instrumento particular, feita por entes privados não vinculado ao SFI ou SFH. A decisão ainda será submetida ao Pleno do CNJ. Mas vai passar! Para quem defende menos burocracia e regulação, uma grande vitória da racionalidade!