Wellness no mercado imobiliário: como incorporar bem-estar sem descuidar do jurídico

Nos últimos anos, o conceito de wellness tem ganhado espaço nos empreendimentos imobiliários de alto padrão. Mais do que uma tendência de design ou uma estratégia de marketing, trata-se de uma visão integrada de projeto, execução e operação que busca promover saúde física, mental e ambiental aos ocupantes dos imóveis.

No Brasil, incorporadoras e construtoras têm começado a investir em soluções voltadas ao conforto térmico e acústico, à qualidade do ar, ao contato com a natureza, à iluminação natural e à funcionalidade dos espaços. Esse movimento acompanha padrões internacionais como o WELL Building Standard, e já começa a impactar a forma como os produtos imobiliários são idealizados — do projeto arquitetônico ao contrato de compra e venda.

No entanto, junto com esse avanço vem uma nova camada de complexidade jurídica: entregar bem-estar exige mais do que boa intenção — exige planejamento técnico, responsabilidade contratual e aderência às normas aplicáveis.

 

O jurídico entra antes da obra

Ao adotar um posicionamento voltado ao bem-estar, a incorporadora assume compromissos que ultrapassam o projeto arquitetônico. Esses compromissos repercutem diretamente na cadeia de contratação, nos padrões construtivos, nas certificações prometidas e até na responsabilidade pós-obra.

Por exemplo, se o marketing comercial destaca diferenciais de acústica, ventilação, iluminação natural ou sustentabilidade, é fundamental que tais atributos estejam:

  • tecnicamente viabilizados no projeto executivo,
  • assegurados contratualmente junto aos fornecedores e construtoras, e
  • claramente alinhados com o conteúdo dos documentos de venda e dos manuais do proprietário.

O descompasso entre o que se anuncia e o que se entrega pode gerar alegações de propaganda enganosa, vícios construtivos, ou até litígios por perda de expectativa legítima por parte do consumidor.

 

Certificações também exigem cautela

Muitas incorporadoras têm buscado diferenciação por meio de selos como WELL, LEED ou Fitwel, que envolvem critérios de sustentabilidade e saúde ambiental. No entanto, esses selos exigem comprovação técnica rigorosa e são emitidos por organismos com regras próprias e atualizáveis.

Quando uma empresa se compromete publicamente com a obtenção de uma certificação, assume também uma responsabilidade jurídica de prover as condições técnicas e contratuais para viabilizá-la. Isso pode envolver:

  • contratação de consultores especializados,
  • definição de metas mensuráveis,
  • materiais certificados,
  • e exigências operacionais pós-entrega.

Se o selo não for obtido ou se as exigências não forem mantidas ao longo da operação (em empreendimentos multiusuários, por exemplo), a incorporadora pode enfrentar questionamentos jurídicos — inclusive de adquirentes ou investidores.

 

Entregar bem-estar requer coerência contratual

O desafio jurídico mais relevante no contexto do wellness é o de alinhar as promessas comerciais com as obrigações contratuais, de forma clara e segura.

Isso exige atenção a diversos pontos, como:

  • cláusulas que definem o padrão de acabamento e desempenho,
  • garantias construtivas,
  • especificações técnicas,
  • definição precisa dos diferenciais do produto,
  • e previsão de responsabilidades em caso de inadimplemento de qualquer etapa da certificação ou funcionalidade anunciada.

É papel do jurídico atuar preventivamente para que o conceito de bem-estar não se torne apenas uma peça publicitária, mas sim um compromisso viável, executável e juridicamente sustentável.

Incorporar o conceito de wellness ao desenvolvimento imobiliário é, sem dúvida, um diferencial competitivo. Mas entregar bem-estar exige mais do que estética ou inovação: exige planejamento jurídico, precisão técnica e responsabilidade contratual em cada etapa.

À medida que o mercado avança para produtos mais conscientes, saudáveis e funcionais, o papel do jurídico também evolui. Cabe aos escritórios que acompanham o setor compreender que, nesse novo ciclo, a reputação de um empreendimento está diretamente ligada à coerência entre promessa, projeto e entrega — e é essa coerência que assegura valor e segurança para todas as partes envolvidas.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Julia Linhares

Advogada, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC Campinas. 

Pós-graduada em direito e negócios imobiliários pelo Instituto Damásio de Direito da IBMEC São Paulo. 

Extensão universitária em direito contratual, negociação e formação contratual, due diligence imobiliária, incorporação imobiliária, loteamentos, direito registral e notarial, multipropriedade, direito tributário, compliance empresarial e outros. 

Especialista em contratos, com atuação principal voltada para a estruturação e assessoria consultiva de negócios imobiliários e atrativos turísticos.  

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário — IBRADIM, com participação nas comissões de Negócios Imobiliários e Incorporação Imobiliária.

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