No Brasil, bem como em todo o mundo, o mercado imobiliário sofre influências significativas ante o contexto econômico-financeiro, positivo ou negativamente. Isso pois uma melhora acentuada da economia no país estimula a geração de empregos, o que por sua vez favorece o poderio econômico das famílias, propiciando a realização do sonho da casa própria.
Por outro lado, ocorrendo uma perspectiva negativa na economia, o mercado imobiliário sofre reflexos imediatos, no momento em que as pessoas têm suas rendas impactadas e passam a priorizar outras despesas, adiando o sonho de adquirir seu imóvel.
Através da Lei 4.380/1964, cria-se o SFH – Sistema Financeiro de Habitação e o BNH – Banco Nacional de Habitação. Ou seja, o sistema de crédito imobiliário no Brasil se deu tardiamente, pois só foi regulamentado em 1964. Essa mesma lei instituiu a correção monetária com o objetivo de propiciar a abertura do mercado para títulos do governo e possibilitar financiamentos de longo prazo e consequentemente, maior oferta de crédito imobiliário.
De 1964 a 1970, foi o apogeu do SFH. Houve um crescimento vultuoso nos depósitos nas cadernetas de poupança, bem como no FGTS devido ao aumento do nível de emprego e salários a época no Brasil. Nessa época quem administrava o FGTS e regulamentava e fiscalizava o SFH era o BNH – Banco Nacional de Habitação. Para dar tranquilidade aos tomadores de empréstimos foi criado o FCVS – Fundo de Compensação de Variações Contratuais. Sua função precípua era a de absorver algum saldo remanescente após o pagamento de todas as prestações durante o prazo. Esse saldo era possível pois a aplicação da correção monetária poderia resultar em valores diversos em contratos se os cálculos fossem realizados com base em outros índices de reajuste.
Em 1968 foi regulamentada a caderneta de poupança para crédito imobiliário. A caderneta de poupança tornou-se a principal fonte de renda (funding) ao setor imobiliário. Antes, o recurso chegava por meio do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Ou seja, a poupança era a grande financiadora do SFH.
Ao final da década de 70, devido a segunda crise do petróleo e o consequente aumento da dívida externa brasileira, houve uma forte aceleração da inflação. Então, a diferença dos índices aplicados pela correção monetária dos contratos imobiliários e os calculados baseados em outros índices se tornou considerável. Várias tentativas para conter a inflação foram frustradas piorando a situação do Sistema Financeiro de Habitação. Período em que muitos contratos estavam se encerrando e devido ao FCVS possibilitou um impacto gigantesco nas contas e bancos do governo.
Na década de 90 o governo começa a reter recursos da poupança e de outros ativos, impactando consideravelmente a construção civil e o crédito imobiliário. Mesmo com esses desafios, a década de 90 foi muito importante no que tange ao crédito imobiliário. O governo e as instituições financeiras buscavam minimizar os problemas do FCVS e os títulos do Tesouro Nacional passam a partir de então a substituir os créditos das instituições financeiras.
Em 1986, com o Plano Cruzado, na tentativa de minimizar as consequências da alta inflação, na conversão da moeda, devido a média aritmética utilizada, desestruturou o sistema, pois tornou os contratos mais caros.
Em 1990, com o Plano Color, bloqueou todos ativos financeiros do SFN, prejudicando ainda mais o SFH. Pois em torno de 60% do valor gerado pela poupança ficou bloqueado pelo Banco Central. Aproximadamente 20% foi retirado pelos depositantes. Assim, a situação das instituições financeiras foi amplamente comprometida, pois não tinham onde buscar recursos para as operações de crédito imobiliário.
Em 1997 foi criado o SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, pela Lei nº 9.514. Perceberam que esse modelo seria mais interessante ao Brasil, haja vista que não dependia de um funding direto. Até então, a poupança ao SFH. O intuito era fomentar o financiamento imobiliário e incentivar novos empreendimentos habitacionais. Com o SFI era possível maior fonte de recursos, maior segurança jurídica e portanto, grande capacidade de crédito imobiliário.
A alienação fiduciária foi regulamentada juntamente com o SFI, possibilitando importantes reflexos ao setor imobiliário.
Pelo SFI poderiam operar as caixas econômicas, os bancos de investimento, as associações de poupança e empréstimo, as sociedades de crédito imobiliário, os bancos com carteira de crédito imobiliário, os bancos comerciais, as companhias hipotecárias, e a depender do CMN – Conselho Monetário Nacional, outras entidades.
Os recursos do SFI podem advir inclusive por meio do CRI – Certificado de Recebíveis Imobiliários, LCI – Letra de Crédito Imobiliário e CCI – Cédula de Crédito Imobiliário, títulos esses que foram regulamentados em 2004, o que, sem dúvida, possibilitou grande avanço e agilidade às operações imobiliárias, possibilitando inclusive a negociação desses títulos de uma instituição com a outra. Esses instrumentos propiciaram liquidez e agilidade na captação de recursos ao setor imobiliário.
A LCI é lastreada por créditos imobiliários garantidos pela hipoteca ou pela alienação fiduciária de bem imóvel. Já a CCI representa os créditos imobiliários, e é emitida pelo credor do crédito. Logo, podemos aduzir que a LCI representa vários créditos imobiliários e a CCI a apenas um.
Importante esclarecer que no SFI as operações de financiamento imobiliário são livremente pactuadas entre as partes, observadas as seguintes condições essenciais: 1- reposição integral do valor emprestado e respectivo reajuste; 2 – remuneração do capital emprestado às taxas convencionadas no contrato; 3 – capitalização dos juros; 4 – contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguros contra os riscos de morte e invalidez permanente.
Pelo SFI há a possibilidade de, além da poupança e FGTS, o crédito imobiliário poderem vir de investidores do mercado e não apenas de uma única fonte, como era o caso do SFH.
No SFI há então a possibilidade de fontes diversas, bem como o uso do crédito ser mais difundido, gerando maior liquidez desses créditos e geração de recursos. Tem sido mais usado no financiamento de imóveis da classe média. Já o SFH, com recursos provenientes tão somente da poupança e do FGTS, tem sido mais usado no financiamento de imóveis destinados a detentores de renda mais baixa.
Em 2009, no momento em que a crise chegou, em sua pior fase, na Bolsa de Valores, em que teve queda de 50% no seu volume de negociação, algumas medidas anticíclicas foram tomadas para minimizar o colapso no mercado imobiliário, além do já ocorrido no mercado financeiro. Uma delas foi em março de 2009, criar o Programa Minha Casa Minha Vida, programa habitacional voltado para famílias com renda de até 10 salários mínimos. Esse programa impulsionou o mercado imobiliário para fora do vale que se encontrava o mercado financeiro. A taxa Selic chegou a 8,75 ao ano.
Taxa Selic é a média de juros que o governo brasileiro para por empréstimos tomados dos bancos. Quando a Selic aumenta, os bancos preferem emprestar ao governo porque paga melhor. Já quando a Selic cai, os bancos são “forçados” a emprestar dinheiro ao consumidor com o fim de conseguir melhor remuneração desse capital.
Importante ressaltar que em 17 de junho de 2020, o COPOM – Comitê de Política Monetária, decidiu baixá-la para 2,25% ao ano. Ou seja, condição bastante favorável aos empréstimos e financiamentos imobiliários.
“Em dezembro/2008, na quebra financeira dos EUA, 8% das famílias estavam preparadas para a compra. Hoje, em meio a essa crise estrutural que estamos vivendo, temos 10,25% de clientes preparados. Ou seja, temos um cenário muito interessante e de muitas oportunidades. Há mais de 5 milhões de famílias brasileiras interessadas na aquisição imobiliária nos próximos 24 meses. Ou seja, nos próximos 12 meses, mais de 2 milhões de famílias, com renda acima de R$1.500,00 possuem preparo e potencial de compra”.
Marcus Araújo | CEO da Datastore | Campinas – SP
O “home equity” é também uma forma de crédito em que o imóvel é a garantia. Nessa modalidade, o recurso obtido não tem destinação específica. O tomador poderá utilizar esse crédito de acordo com suas necessidade e interesse. Incidindo inclusive o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras, além dos demais custos de uma operação imobiliária. A previsão da alienação fiduciária auxiliou na implementação do “home equity” no Brasil.
Assim, em momentos como o que estamos vivendo, imprescindível se torna esse retrospecto histórico com o fim de compreendermos financeiramente e economicamente os impactos sociais na vida de quem vende e de quem compra imóveis.