Entre terras e tributos: desvendando as complexidades do ganho de capital em imóveis rurais

A dinâmica do ganho de capital na compra e venda de imóvel rural é um tema complexo, permeado por diferentes regras e interpretações. No âmbito tributário, a distinção entre a Regra Geral e a Regra Especial torna-se crucial, influenciando diretamente a apuração desse ganho. Vamos explorar as nuances dessas normativas e os conflitos de entendimento entre a Receita Federal e o Poder Judiciário.

 

Regra Geral x Regra Especial: entenda a diferença entre elas.

Em linhas gerais, a regra do ganho de capital se resume à diferença positiva entre o valor de alienação de um bem e seu custo de aquisição. Para essa apuração servem como parâmetros tributários os valores declarados nas escrituras públicas, representativos das transações imobiliárias.

Após calcular essa diferença, o vendedor deve aplicar um percentual conforme a tabela da Receita Federal, geralmente de 15% para ganhos de até 5 milhões de reais. No entanto, é crucial destacar que há previsões normativas permitindo a redução ou isenção do referido tributo.

Em determinadas situações, como na alienação de imóveis adquiridos entre 1988 e 1970, a alíquota pode ser reduzida progressivamente por meio da aplicação de descontos entre 95% a 5%. Ainda, no caso de imóveis rurais, há uma regra específica que leva em consideração a diferença entre o valor da terra nua na aquisição e alienação, indicados na declaração do Imposto Territorial Rural (ITR).

A regra do Valor da Terra Nua (VTN) é então aplicada se a declaração for protocolada em tempo hábil, senão, via de regra, a norma geral se aplicaria. O VTN representa o valor de mercado do solo excluindo melhorias, não deve ser confundido com o valor total do imóvel e, por esse motivo, trata-se de valor mais baixo e normalmente sofre menores alterações ao longo do tempo.

 

O entendimento conflitante da Receita Federal e do Poder Judiciário: a intenção de restringir a regra do VTN pelo fisco não tem força de lei

De acordo com a posição adotada pela Receita Federal, a escolha entre a norma geral e a regra específica para imóveis rurais é determinada pela entrega da declaração do ITR (DITR), composta pelo Diat e Diac. Portanto, considerando que a entrega da Dirt ocorre entre agosto e setembro, a regra especial do VTN se aplicaria apenas quando a aquisição do imóvel ocorre entre janeiro e julho, e a alienação entre outubro e dezembro.

Quanto aos imóveis adquiridos antes de 1º de janeiro de 1997, a lei apresenta uma lacuna sobre o custo de alienação, deixando duas interpretações possíveis: considerar o custo de alienação como o valor da venda ou como o VTN declarado no ano de venda. No último caso, a postura da Receita é no sentido de tentar barrar a forma de apuração especial, haja vista a possibilidade de uma suposta apuração híbrida do ganho de capital.

Entretanto, as restrições indicadas pela Receita Federal (IN 84/2001) para o uso do VTN são recorrentemente afastadas pelo Poder Judiciário. O TRF-4, por exemplo, possui diversas decisões afirmando que as limitações da Receita Federal estão em tese, confrontando a previsão legal contida na legislação federal especial, não exigindo necessariamente a apresentação da Diat pelo adquirente. O tribunal sustenta que, mesmo nas hipóteses de não apresentação da Diat, não seriam considerados na apuração do imposto o valor da terra nua registrado das transações imobiliárias, mas sim o valor da terra nua constante do sistema de informações de preç os de terras da Receita Federal.

Nos casos em que o contribuinte entregou a declaração oportunamente, indicando um VTN subavaliado, a Receita Federal adotou duas abordagens na apuração do ganho de capital na venda de imóvel rural, sempre desconsiderando o valor da Diac: a) adotando a regra básica, ou seja, o valor de mercado do imóvel ou o valor da efetiva operação de venda; b) arbitramento com base nas informações de uma listagem própria – chamada Sistema de Preços de Terras ou Sipt.

Por essa razão, é crucial ter comprovação, por meio de documentos hábeis e idôneos, do valor do custo das benfeitorias e se elas foram consideradas despesas ou receitas da atividade rural. Do contrário, a Receita Federal poderá considerar todo o diferencial entre o VTN e o valor da operação como valor das benfeitorias.

Diante disso, a aplicação da regra especial de apuração do ganho de capital para imóveis rurais na via administrativa dependerá do caso concreto, enquanto a regra básica atuará como norma subsidiária nos casos que não atendem aos pressupostos de aplicação do VTN.

Os principais elementos que o vendedor deve verificar para a análise da regra a ser aplicada em seu caso, de acordo com a Receita Federal, são essencialmente: data da aquisição, data da alienação, entrega de declaração nos anos da aquisição e alienação, quem entregou a declaração do ITR, valores constantes da respectiva declaração como VTN e adequação da declaração ao imóvel declarado.

Entretanto, considerando o artigo 19 da Lei nº 9.393/1996, o Poder Judiciário entende não ser coerente afastar definitivamente a regra especial na ausência de entrega da declaração. Isso ocorre porque, contrariamente à interpretação da Receita Federal, a lei prevê que o ganho de capital na alienação de imóvel rural deve, sempre que possível, ser apurado com base no VTN do ano de alienação e do ano de aquisição.

Portanto, o entendimento dos Tribunais é no sentido de que o artigo 10 da IN nº 84/2011, ao introduzir critérios relevantes de base de cálculo ausentes na Lei 9.393/96, violou o princípio da legalidade tributária – afinal, norma administrativa não possui força de Lei Federal.

 

Quais as pessoas que podem se beneficiar da regra especial?

É relevante considerar ainda, que a lei especial não distingue a apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural com base no regime de tributação da empresa, mas sim com base no critério temporal, ou seja, a data de aquisição do imóvel. Assim, não há motivo para restringir a aplicabilidade desse artigo com base no regime tributário da pessoa jurídica, conforme entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça.

Diante desse cenário, salvo a exceção prevista no artigo 17 da Lei nº 9.393/96, a utilização do Valor da Terra Nua (VTN) na apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural deveria aplicar-se integralmente às pessoas físicas e jurídicas do Lucro Real, Lucro Presumido e optantes ao Simples Nacional.

 

Projeto de Lei em Tramitação

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária aprovou em outubro do ano passado um projeto de lei que institui o Valor da Terra Nua (VTN) declarado na compra e na venda de imóvel rural para cálculo do ganho de capital (PL 1.072/2021). De autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatado pelo senador Lasier Martins (PODE-RS), o texto segue em tramitação.

O projeto prevê que, para fins de apuração de ganho de capital na venda de imóvel rural, deve ser considerado em qualquer hipótese o custo de aquisição e valor da venda o VTN declarado nos anos de sua aquisição e de sua alienação. O Relator da proposta defende que a Receita Federal utilize o VTN como parâmetro – tanto o informado pelo contribuinte como o constante no sistema de informações de preços de terras – afastando definitivamente os valores apontados nas escrituras ou nos contratos de compra e venda.

Diante das divergências e desafios apresentados, é evidente a necessidade de uma maior clareza legislativa no tocante ao ganho de capital na alienação de imóveis rurais. A tramitação do Projeto de Lei 1.072/2021, que propõe a consideração do Valor da Terra Nua (VTN) como parâmetro para a apuração do ganho de capital, revela a busca por uma normativa mais precisa e alinhada com as controvérsias que permeiam o cenário atual.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

VICTÓRIA DIEZ

Advogada apaixonada pelo mercado imobiliário.

Nascida e criada em Londrina – PR, minha jornada acadêmica foi marcada pela busca constante pela excelência.

Concluí minha pós-graduação em Direito Empresarial na Escola Brasileira de Direito e aprofundei meu conhecimento em direito imobiliário ao obter meu título de especialista em direito e negócios imobiliários através do Master of Laws (LL.M) da Fundação Escola Superior do Ministério Público.

Durante meus cinco anos de atuação no dinâmico mercado imobiliário, dediquei-me intensamente à análise de riscos envolvendo transações e contratos imobiliários diversos. Para mim, a verdadeira maestria vem da combinação harmoniosa de diversas áreas de conhecimento, nos âmbitos prático e teórico.

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