Hierarquia é a forma ordeira de prioridade entre elementos de um mesmo conjunto, que estabelece relações de subordinação entre eles. Em meu artigo A Fragilidade da Lei 13.097 frente à Lei Complementar 118, publicado em 22 de julho de 2023, gerou polêmica minha afirmação de que a lei ordinária é hierarquicamente inferior à lei complementar. Em seu bem lançado contra- argumento à minha manifestação, a equipe do Cartório do Portão de Curitiba afirma que, ao contrário, não há subordinação hierárquica entre os dois tipos de lei. O tema é polêmico!
Pensadores do direito tendem para um ou outro lado. Há os que interpretam como casual a hierarquia entre elas. Michel Temer, em seu livro Elementos de Direito Constitucional (2006:142), assevera que não há hierarquia entre a Lei Ordinária (LO) e a Lei Complementar (LC), admitindo, entretanto, que “há âmbitos materiais diversos atribuídos pela Constituição Federal (CF)” a cada uma delas. Já para Alexandre de Moraes, em seu livro Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional (2005:511), a hierarquia existe.
Moraes entende que a LC está entre a Constituição Federal e a LO, porque aquela exige quórum qualificado e hipóteses previstas na Carta Maior. Intermediariamente, José Afonso da Silva, em Comentário Contextual à Constituição (2009:462), ensina que, entre LC e LO, não há se falar de hierarquia, mas de competência em razão da matéria. O que a CF determina à LC só a ela se reserva, jamais à LO. Interferências da LO não ferem apenas a Lei Complementar, mas a própria Constituição Federal. Não há, portanto, alinhamento entre os pensadores.
Na falta de consenso, eu me posiciono ao lado de Moraes. A Lei Complementar assim se chama justamente porque complementa, completa a Constituição, é parte apartada desta. Ora, se a Lei Complementar é parte da Lei Máxima, nenhuma outra espécie normativa pode contrariá-la. Portanto, como a CF, ela é superior a todas as outras normas, inclusive a Lei Ordinária. A LC só existe porque a própria CF a exige, para minudenciar ou estabelecer regras complementares que, por serem minudentes, não são comportáveis no texto constitucional.
Como complemento do texto maior, a LC não é revogável nem suplantável por Lei Ordinária ou qualquer norma inferior. Mas a LC pode modificar, suplantar ou revogar Lei Ordinária. Ademais, o rito para aprovação da LC é diferenciado. Debates sobre ela não podem ser terminativos nas comissões da Câmara ou do Senado, como nas LOs. A LC tem de ser votada, obrigatoriamente, pelo Plenário das duas casas, e somente será aprovada se obtiver maioria absoluta de votos favoráveis. Ou seja, 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores.
Já as Leis Ordinárias necessitam apenas da maioria simples, isto é, mais de 50% dos parlamentares presentes, e podem ser votadas terminativamente só nas comissões. Dependendo da matéria em discussão, não precisam ser votadas pelo Plenário. Por outro lado, mesmo Temer admite a hierarquia quando uma LO decorre de uma LC. Data venia, o simples fato de uma LO poder decorrer de uma LC já determina inexoravelmente a hierarquia. É como relação entre mãe e filha. Todavia o contrário é impossível. Uma LC jamais decorrerá de uma LO.