O setor de loteamentos urbanos no Brasil vem passando por uma transformação significativa em busca de maior segurança jurídica, transparência e credibilidade perante investidores, financiadores e consumidores.
Nesse contexto, o patrimônio de afetação, originalmente concebido para o mercado de incorporação imobiliária pela Lei nº 10.931/2004, surge como uma poderosa ferramenta também aplicável aos empreendimentos de parcelamento do solo urbano, previstos na Lei nº 6.766/1979.
Através das alterações trazidas pela Lei 14.620/2023 (publicada em 14 de Julho de 2023), que introduziu os artigos 18-A e 18-F na lei de parcelamento de solo, o instituto do patrimônio de afetação passou a ser utilizado também em loteamentos, que até então apenas era permitido em incorporações imobiliárias.
A adoção desse instituto representa não apenas uma proteção aos adquirentes de lotes, mas também uma estratégia inteligente para os loteadores na obtenção de crédito, financiamento e estruturação segura dos empreendimentos.
O patrimônio de afetação é um instituto jurídico que permite destacar um determinado conjunto de bens e direitos de um empreendimento, separando-os do patrimônio geral da empresa loteadora. Isso significa que os ativos vinculados ao loteamento — como terrenos, receitas das vendas e valores futuros — ficam juridicamente protegidos de dívidas e riscos externos da empresa.
Na prática, cria-se um “caixa separado”, onde todos os recursos financeiros e obrigações são destinados exclusivamente à execução e conclusão daquele empreendimento específico.
Embora a Lei nº 10.931/2004 tenha sido originalmente criada para proteger os adquirentes de unidades em construções verticais (incorporações imobiliárias), a sua extensão aos loteamentos passou a ser normatizada com a promulgação da Lei 14.620/2023.
A Lei 14.620/2023 traz consigo o objetivo de garantir mais segurança jurídica aos compradores. Isso porque, em caso de problemas com o empreendedor, os recursos e bens destinados ao loteamento ficam protegidos. Além disso, a medida estimula o desenvolvimento do mercado, trazendo mais segurança e confiança tanto para compradores quanto para investidores.
Outro benefício importante é a facilidade de acesso ao crédito, já que, ao optar pelo Patrimônio de Afetação, o loteador tem mais chances de conseguir financiamento para desenvolver o empreendimento, uma vez que a segregação patrimonial reduz significativamente os riscos para as instituições financeiras.
Analisando o cenário vivenciado em 2023 quando da promulgação da mencionada Legislação, notaremos certas necessidades demandadas pelo mercado imobiliário. Segundo o diário do comércio, em que pese o aquecimento do mercado de loteamentos em 2023, os números de lançamentos não acompanhavam o ritmo de vendas, que apresentou no período, queda de 30,1%.
A grande preocupação em torno dos loteamentos se dá devido ao prazo que um lançamento leva para ser desenvolvido e entregue, sendo um negócio de médio a longo prazo, e raramente levando menos de 03(três) anos para ser finalizado.
Isso significa que um empreendimento deste porte, também roga de necessidades tais quais as incorporações imobiliárias, e; falando especialmente dos loteamentos, estes são os grandes embriões das cidades, são eles os grandes protagonistas do desenvolvimento urbano, e nada mais justo que trazer segurança jurídica para estes empreendimentos.
Com a aprovação da Lei e autorização de se instituir o Patrimônio de Afetação nos loteamentos, surgiu a discussão a respeito do cabimento ou não do RET também para os mesmos casos de parcelamento de solo.
No início de Março de 2024, a Receita Federal editou a Instrução Normativa nº 2.179/2024, que tem como finalidade regulamentar a utilização do Regime Especial de Tributação (RET) aplicado às incorporações imobiliárias inseridas nos programas Minha Casa, Minha Vida e Casa Verde e Amarela.
Dentre as novidades, a referida normativa autorizou que o RET seja aplicado também aos loteamentos, porém de forma restrita, apenas quando houver a vinculação da incorporação e da venda dos lotes à construção de unidades habitacionais do tipo casas isoladas ou geminadas.
O Regime Especial de Tributação, criado pela Lei nº 10.931/2004, oferece uma série de benefícios fiscais aos empreendedores, destacando-se a possibilidade de recolher os tributos federais por meio de uma alíquota única de 4% sobre a receita mensal recebida. Esse percentual abrange o recolhimento conjunto de IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS.
Apesar de representar um avanço significativo na tributação do setor imobiliário, a ampliação promovida pela IN nº 2.179/2024 ainda apresenta limitações, na medida em que se restringe exclusivamente aos empreendimentos que envolvam a construção de casas isoladas ou geminadas.
Na prática, isso significa que os projetos de parcelamento do solo na modalidade de loteamento ou desmembramento, destinados exclusivamente à venda de lotes sem construção vinculada, continuam fora do escopo do RET. Portanto, esses empreendimentos não se beneficiam da redução da carga tributária proporcionada por esse regime especial.
A instituição do patrimônio de afetação em loteamentos pode ocorrer através de:
1) Ato Voluntário do Loteador:
Formalização por meio de instrumento público (escritura) ou particular com efeitos perante terceiros, registrado na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis.
2) Cláusula nos Contratos de Compra e Venda:
Inserção de cláusula prevendo que os recursos das vendas estão afetados à execução do empreendimento.
3) Instrumento de Instituição Formal:
Documento específico que delimita:
4) Registro na Matrícula do Imóvel:
Essencial para que tenha eficácia erga omnes, o patrimônio de afetação deve ser registrado na matrícula do imóvel destinado ao loteamento.
A adoção do patrimônio de afetação no mercado de loteamentos representa uma evolução importante no ambiente jurídico e de negócios do setor imobiliário brasileiro. Mais do que uma obrigação, trata-se de uma estratégia inteligente que oferece proteção, transparência e segurança tanto para os loteadores quanto para os adquirentes e investidores.
À medida que o mercado busca se profissionalizar, essa ferramenta se apresenta como diferencial competitivo, capaz de agregar valor, atrair financiamentos e mitigar riscos jurídicos.
Advogada, sócia fundadora do Escritório Alves Penello Advocacia e Consultoria, especialista em Direito Imobiliário com mais de 10 anos de atuação.
Mestranda em Direito das Relações Econômicas e Sociais pela Instituição Milton Campos, Vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário OAB/MG, subseção do Barro Preto, Co-líder da Regional Minas Gerais do Instituto Mulheres do Imobiliário e Secretária AMADI Mulher.