A palavra apoteose, no Brasil, acabou por estigmatizar-se, porque passou a ser muito utilizada para nominar bares, boates e casas de shows, digamos, pouco ortodoxas. Da mesma forma, passou a ser usada para definir momentos finais de espetáculos. Etimologicamente, no entanto, ela vem da palavra latina apotheosis. Esta, por sua vez, deriva da expressão grega apotheoun, que significa deificar, ou se tornar deus. Assim, imperadores e líderes de antigas civilizações, como Grécia e Egito, chegavam à apoteose – divindade – durante a vida ou após a morte.
Momento apoteótico, portanto, é o instante em que alguém, ou alguéns, chega ao êxtase, à divinização, por um acontecimento especial. Nada tem a ver com Deus. Trata-se apenas de um sentimento de realização humana. Assim nos sentimos quando, no dia 10 de agosto, às 8h48, a deputada Carla Zambelli nos colocou em contato direto com o Presidente da República e ele, com toda a deferência, nos prometeu revogar imediatamente o Decreto 11.165 que, no dia anterior, nos esbulhara, literalmente, da profissão que tanto amamos.
O decreto presidencial em questão foi totalmente inesperado. Esse tipo de decisão não precisa passar pelo parlamento, é competência exclusiva do Presidente, assessorado por seu staff. Aí está o problema! Em tese, a questão teria de ser discutida antecipadamente com ele. Porém não o foi. Alguém, sorrateiramente, infiltrou o documento nos papeis que seriam assinados naquele dia. O PR assinou sem saber seu conteúdo. A articulação partiu do Ministério da Economia. Mas o ministro Paulo Guedes afirmou que a desconhecia.
É bom observar, no entanto, que, em sua justificativa pública, o PR disse que o tema será reestudado em debate conosco. O assunto não está encerrado! A obsessão do Ministério da Economia pela inclusão do Brasil na OCDE tem provocado pânico entre as profissões regulamentadas. Assessores ministeriais, a fim de mostrar serviço, têm servido a interesses escusos. Dissertamos sobre isso em anterior artigo. A ideia geral é liberalizar a regulação de todas as profissões, inclusive da advocacia. O melhor é nos anteciparmos e propormos as modificações.
O decreto revogado tentou dar novo significado à palavra “intermediação”, constante do art. 3º da Lei 6.530/78. Tergiversou ao criar o termo “atividades e serviços auxiliares”, para definir atribuições que poderiam ser praticadas por síndicos, porteiros, zeladores, motoristas e outros profissionais. Tentou desobrigar o registro do contrato de associação junto aos sindicatos. Introduziu dispositivo que obrigaria os Conselhos a se manifestarem, positivamente ou não, em 90 dias, sobre pedidos de inscrição, sob pena de registro provisório automático.
Quanto à tabela de honorários profissionais, o decreto era inócuo. O Cofeci firmou acordo sobre o tema com o CADE em 2018. Importante, no entanto, é termos proposta alternativa. E a temos! Ao invés de “serviços auxiliares”, podemos propor “atividades-meio”. Indicação de clientes, sim, mas só por corretor de imóveis. Os contratos de associação podem ser registrados no SGR, junto ao Sistema Cofeci-Creci. Prazo para decisão sobre inscrição, sim, mas sob pena de registro automático junto ao Cofeci. Enfim, soluções que não esbulham a profissão!