Vender um imóvel que está passando por um processo de usucapião exige atenção redobrada. Muitos corretores acreditam que, por o processo estar “andando”, já é possível negociar o bem sem riscos mas isso pode gerar grandes dores de cabeça tanto para o corretor quanto para o comprador.
Afinal, o usucapião é um processo que ainda não garante a propriedade definitiva até que a sentença seja transitada em julgado e devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Neste artigo, você vai entender o que o corretor pode e deve fazer para conduzir esse tipo de venda com segurança jurídica.
O usucapião é uma forma de aquisição da propriedade pela posse prolongada, pacífica e ininterrupta, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei.
Existem vários tipos (ordinário, extraordinário, familiar, coletivo, etc.), mas em todos os casos, o direito de propriedade só se consolida após o reconhecimento judicial ou extrajudicial e o registro no cartório competente, ou seja, enquanto o processo estiver em andamento, o ocupante ainda não é o proprietário legal do imóvel e isso muda completamente o cenário da venda.
Vou explicar resumidamente cada modalidade de usucapião para voce leitor poder entender melhor.
Prevista no artigo 1.238 do Código Civil, a usucapião extraordinária prescinde de justo título e boa-fé, bastando a comprovação da posse contínua, mansa e pacífica, sem oposição, pelo período mínimo de 15 anos. Esse prazo pode ser reduzido para 10 anos se o possuidor houver estabelecido moradia habitual no imóvel ou realizado obras e investimentos de caráter produtivo.
É a forma mais abrangente e protetiva de usucapião, justamente porque o legislador entendeu que o exercício pacífico da posse por longo período consolida uma situação de fato que merece tutela jurídica, independentemente da origem da posse.
A usucapião ordinária, prevista no artigo 1.242 do Código Civil, exige, além da posse pacífica e contínua, a presença de justo título e boa-fé. O prazo mínimo é de 10 anos, podendo ser reduzido para 5 anos quando o imóvel for adquirido onerosamente, com base em registro posteriormente anulado, desde que o possuidor nele tenha estabelecido moradia habitual ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Trata-se de uma modalidade que prestigia o possuidor de boa-fé, que acreditava ser legítimo proprietário, conferindo segurança jurídica àqueles que, de forma honesta, adquiriram e utilizaram o bem como se seu fosse.
Prevista no artigo 183 da Constituição Federal e reproduzida no artigo 1.240 do Código Civil, a usucapião especial urbana destina-se à proteção do direito à moradia e à função social da propriedade nas cidades. Exige posse ininterrupta e sem oposição por 5 anos, em imóvel urbano de até 250 metros quadrados, utilizado para moradia própria ou de sua família, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Essa modalidade reflete a preocupação do constituinte com a regularização fundiária urbana, reconhecendo o direito de quem transforma em lar uma área desocupada ou abandonada, promovendo a justiça social e a inclusão habitacional.
De igual forma, o artigo 191 da Constituição Federal e o artigo 1.239 do Código Civil consagram a usucapião especial rural, também denominada pro labore. Esta modalidade beneficia aquele que exerce posse mansa e pacífica por 5 anos ininterruptos, em área rural de até 50 hectares, tornando-a produtiva com seu trabalho e fixando nela sua moradia habitual.
Seu objetivo é assegurar o direito à terra àqueles que, por meio do trabalho direto e pessoal, cumprem a função social da propriedade rural, estimulando o aproveitamento racional do solo e o desenvolvimento agrário.
Introduzida pela Lei nº 12.424/2011, que inseriu o artigo 1.240-A no Código Civil, a usucapião familiar tem natureza eminentemente social. Ocorre quando um dos cônjuges ou companheiros abandona o lar conjugal e o outro permanece na posse exclusiva do imóvel urbano de até 250 metros quadrados por 2 anos ininterruptos, utilizando-o para sua moradia ou de sua família.
O possuidor deve, ainda, não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Trata-se de instrumento voltado à proteção da moradia e da estabilidade familiar, garantindo o direito real àquele que permaneceu zelando pelo bem e pela residência da família.
Essas são as modalidade de usucapião existentes em nosso ordenamento jurídico e antes de divulgar ou intermediar o imóvel, o corretor deve analisar a situação jurídica completa e entender qual da modalidade de usucapião está sendo pleiteada ao caso.
Alguns passos fundamentais:
Verificar o andamento do processo
Peça ao cliente o número do processo de usucapião e consulte-o no site do Tribunal de Justiça do estado.
Veja em que fase ele está: se já houve citação dos confrontantes, manifestação do Ministério Público e despacho favorável do juiz.
Solicitar a documentação atualizada
Mesmo que o imóvel esteja em usucapião, é importante solicitar: matrícula atualizada do imóvel (ou certidão negativa, se ainda não houver matrícula formal); comprovantes de posse (contas de luz, água, IPTU, etc.); petição inicial do processo e documentos anexos.
Verificar se há oposição de terceiros
Se alguém contestou o pedido de usucapião, o processo pode se arrastar por anos e o risco da venda aumenta muito.
Um detalhe muito importante, é que o corretor não deve intermediar a venda como se o imóvel estivesse regularizado.
O ideal é deixar claro em contrato que o imóvel ainda não tem registro em nome do vendedor, e que a transferência definitiva dependerá da finalização do processo de usucapião.
O instrumento mais indicado é um contrato de cessão de direitos possessórios ou cessão de direitos sobre o usucapião em andamento, com cláusulas específicas sobre:
Ainda posso dizer que a melhor postura é sempre buscar apoio de um advogado especialista em direito imobiliário, que poderá fazer uma análise detalhada ao caso e a todos os documentos anexados ao processo, fazendo com que a venda se torne mais segura ao comprador.
Com análise aprofundada ao processo, o advogado irá redigir o contrato correto e orientar o corretor sobre como conduzir a negociação sem riscos.
Além disso, é importante que o corretor registre todas as informações trocadas com o comprador, mantendo transparência total sobre a situação do imóvel.
Portanto, negociar imóveis com usucapião em andamento não é impossível mas requer conhecimento jurídico e prudência.
O corretor que atua com segurança e transparência ganha credibilidade e se diferencia no mercado, mostrando profissionalismo e respeito pelo cliente.
A venda pode até demorar um pouco mais, mas será uma negociação sólida, ética e juridicamente segura o que, no fim das contas, é o que mais importa.
Todo cuidado é essencial a segurança jurídica da negociação.

CAMILA FERNANDES
# Advogada Graduada pela Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI.
# Pós Graduada em Direito Processual Civil pela DAMASIO; Pós graduada em Direito Imobiliário pela EBRADI; Pós Graduada em Direito Registral e Notarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV;
# Formação em Incorporação Imobiliária pelo Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário- IBRADIM.
# Atuante na área do Direito Imobiliário, focada em assessoria jurídica preventiva para Imobiliárias, construtoras e Incorporadoras.
# Palestrante e treinadora de capacitação jurídica para corretores de Imóveis.
# Escritora
# Apaixonada por Direito Imobiliário.