Há muito se discute sobre prazos de garantia após a entrega das edificações pela construtora e/ou incorporadora, sendo habitual vislumbrarmos na consultoria ou mesmo em defesas judiciais certa dificuldade de compreensão das pessoas quanto o tempo de garantia e limites de responsabilidades.
No dia-a-dia verifica-se que o equívoco decorre não apenas do desconhecimento, mas, por informações incertas disponibilizadas na própria internet. Ainda existe quem opine sem compreender as leis, uso de bom senso, ou ainda, aos entendidos, ausência de prévia análise jurídica da situação em concreto, podendo alterar totalmente a resposta final.
Pois bem, ao finalizar da obra, é obrigação inequívoca do construtor buscar a emissão da respectiva C.C.O. (Certidão de Conclusão de Obra), do Habite-se e proceder às devidas averbações em matrícula. Tais títulos devem ser entregues, obrigatoriamente, ao proprietário do imóvel, (devidamente atualizados e em tempo). Em se tratando de condomínio, também, deverá ser mantidos arquivadas para fins de segurança e de eventuais consultas pelo síndico, moradores e prestadores de serviço, as plantas e projetos hidráulicos, elétricos, arquitetônico e outros conforme estrutura do prédio.
Ademais, além de sobreditos documentos, seguem como dever do construtor e incorporador a disponibilização aos proprietários de certidões negativas, habite-se, memorial descritivo e, principalmente um documento que serve como OURO a ambas as partes, o Manual do Proprietário ou, Manual de Garantias.
A obrigatoriedade da apresentação e entrega de sobreditos documentos é convencionada pela Lei 4.591/64 em seus artigos 32 e 48 e, nos casos em que se discuta relação de consumo, também pelos artigos 30 e 31 do Código de Defesa do Consumidor. Todos visam cumprir com o princípio da informação e transparência (clara, precisa e técnica) quanto ao serviço prestado e ao produto entregue, vindo assegurar consumidores em seus direitos e resguardar o construtor/incorporador de solicitações inadequadas e não condizentes com o seu produto e/ou serviço.
Dito isto, é certo que empresas de engenharia, construtoras e incorporadoras DEVEM atender às normativas técnicas e garantias legais previstas em nosso ordenamento jurídico, assim como os adquirentes/consumidores possuem DIREITO à reivindicar tais assertivas dos fornecedores (cumprimento das obrigações firmadas nos instrumentos particulares de compra e venda),
entretanto, a problemática disposta pelo presente artigo, se insurge no contínuo pensamento equivocado e compartilhado sobre prazos de garantia na construção não abarcados pelo artigo 618 do Código Civil; os demais materiais inseridos na edificação.
No que se refere ao artigo 618 do Código civil, mister destacar que este discorre quanto à estrutura do imóvel. Os 5 anos de segurança e solidez da estrutura e dos materiais inseridos no soerguer desta, à contar da emissão do habite-se ou da entrega da unidade imobiliária ao proprietário.
Ainda, ao destacar o artigo 618 do Código Civil, cumpre lembrar que o prazo de 5 anos, trata-se de simples parâmetro legal, já que alguns materiais e fatores como pintura, cerâmicas, revestimentos, elevadores, esquadrias, telhas entre outros, possuem prazos distintos, em sua maior parte, menores que os 5 (cinco) anos assegurados para estrutura, até porque são equipamentos e peças com grande circulação de pessoas e que podem ser facilmente danificadas com o simples uso no dia-a-dia.
Nesta senda, de maneira a corroborar com o código civil e mesmo esclarecer de maneira pormenorizada as demais garantias legais de cunho construtivo, (quando relação consumerista), os artigos 26 e 27 apontam respectivamente os vícios (art. 26) e os defeitos (art. 27).
Vícios:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
(…) II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
Defeitos:
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Destarte, além do prazo legal, necessário mencionar o prazo contratual de garantia, que virá descriminado ou até mesmo dilatado por intermédio do instrumento contratual ou do manual do proprietário. Este prazo poderá ser diferenciado para cada componente da edificação, podendo tomar por base (parâmetro) normativas próprias da engenharia civil (ex. NBR15575).
Ao extinguir o prazo legal e contratual firmado com o fornecedor, transfere-se a obrigação de manutenção da edificação ao proprietário do imóvel (quando unidade autônoma), ou ao condomínio (quando área comum), para que então se alcance a Vida Útil (VU) esperada do edifício e seus sistemas. Ainda, caso venha ocorrer situação que danifique uma unidade autônoma pela ausência de manutenção de item de responsabilidade do condomínio, cumprirá ao condomínio o dever de reparar ou ressarcir os danos ocasionados à unidade, se, devidamente comprovada tal responsabilidade, e não mais a construtora.
Logo, ao negligenciarem manutenções necessárias (mensais, anuais) e as orientações dispostas no Manual do Proprietário e, escoados os prazos legais e contratuais acima dispostos, não poderão os adquirentes pleitearem reparos à construtora, posto que, suas responsabilidades não serão para a eternidade.
Eventuais danos constatados por ausência de manutenção (seja da unidade ou condomínio em geral), deverão ser apurados pela administração do condomínio, cumprindo, portanto, aos síndicos, registrarem e arquivarem adequadamente todos os projetos, certificados, As Build e comprovantes das manutenções ocorridas anualmente (ARTs, RRTs, contratos de prestação de serviço, notas fiscais entre outros documentos inerentes à manutenção).
Deste modo, visando evitar controvérsias e manter ciência de ambas as partes (vendedor e comprador), quanto aos prazos de garantia, orientamos nossos clientes pela elaboração do Manual do Proprietário e Garantias, em vista de tratar-se de documento essencial à segurança e vida útil do empreendimento, podendo abarcar inclusive cópia do memorial descritivo, projetos do imóvel, orientações de uso de equipamentos, contatos de fornecedores, prazos de garantia legal, contratual e mesmo eventuais reparos que podem ocasionar em exclusão (perda) da garantia ofertada pelo construtor, se desenvolvidos por profissional externo e não habilitado.
Destacado documento ainda se traduz em plena relevância, vez que esclarece e firma prazos concretos para reparos e trocas em prol do proprietário e condomínio. De outro norte, assegura aos construtores tranquilidade contra solicitações exacerbadas, dispondo de prazo documental cujo comprador possui a devida ciência e exara anuência ao receber.
A elaboração e entrega do manual do proprietário assegura aos envolvidos transparência, orientações adequadas e previne discussões desnecessárias.
Em que pese a importância do documento, percebe-se que são poucas as empresas de construção e incorporação que possuem por hábito a entrega de sobredito manual, o que leva muitas vezes à necessidade de intervenção jurídica para tentativa de um acordo entre as partes (resolução extrajudicial) e mesmo, demanda judicial, sendo que poderiam ser abreviados os casos por simples previsão de garantias expressa e orientações de uso.
Prevenir ao invés de remediar, sempre!
OAB/SC 35.851
Advogada proprietária do escritório Pavão E Associados – Advocacia e Consultoria Imobiliária.
Especialista em Direito Empresarial, Tributário e Imobiliário.
Diretora Regional NSC do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
Autora de cursos na área imobiliária
Palestrante da área imobiliária
Técnica em Transações imobiliárias