Qualquer pessoa que já tenha pesquisado algo sobre conceitos como blockchain, smartcontracts, ou até mesmo tokenização certamente se deparou com o mesmo discurso: trata-se de tecnologias que prometem acabar com os intermediários, diminuindo drasticamente os custos de transação.
Inicialmente esse fato provocou a ira dos intermediários, especialmente aqueles do setor financeiro, que viram nos principais casos de sucesso dessas tecnologias, isto é, o Bitcoin e o mercado das finanças descentralizadas (DEFI), ameaças reais à existência de suas atividades.
Atualmente, contudo, o cenário é completamente diferente. Grandes instituições financeiras passaram não apenas a incentivar investimentos em criptomoedas, mas também impulsionaram o Banco Central do Brasil a desenvolver uma versão tokenizada do Real, chamada de DREX, de modo a permitir no futuro uma integração dessas instituições com o mercado DEFI.
Diante disso, a pergunta que não quer calar é a seguinte: o que mudou? Primeiro houve uma conscientização de que a adoção dessas tecnologias é um fenômeno global que não pode ser evitado. Segundo, passou-se a supor que a maioria das pessoas não teria capacidade suficiente de lidar com essas tecnologias sem recorrer a intermediários.
Com efeito, até mesmo para ser livre há um preço, cujo nome é responsabilidade. Logo, a suposição é que grande parte das pessoas não pretenderá ter a custódia do seu próprio patrimônio, tal como proposto pelo criador do Bitcoin, preferindo mantê-lo na posse de intermediários.
Compreendido isso, agora foram os intermediários do mercado imobiliário que resolveram apostar no domínio da tecnologia blockchain como forma de se manter no mercado, inclusive, vislumbrando integração com a DREX
Inicialmente, por meio da RESOLUÇÃO-COFECI Nº 1.487/2022, instituíram o Sistema de Governança e Registro (SGR) de Contratos e Documentos, anunciado pelo Conselho Federal de Corretores de Imóveis como “verdadeira revolução tecnológica aplicável às transações imobiliárias”, a qual estaria toda baseada “em tecnologia blockchain, a mesma utilizada pelas inexpugnáveis criptomoedas”.
Destaque aqui para o termo “inexpugnável” usado pelo COFECI, que denota o reconhecimento de que não se pode mais lutar contra essas tecnologias, valendo aqui a máxima: “se não pode com eles, junte-se a eles”.
Recentemente, por meio da PORTARIA-COFECI Nº 40, DE 27 DE MARÇO DE 2024, estabeleceram os parâmetros de preços a serem praticados no Banco de Negócios Imobiliários, citando-se a título de exemplo: a conversão de documentos em contratos inteligentes (smartcontracts) ao custo de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), por conversão.
De notar que, segundo matéria do cointelegraph Brasil, o SGR tem como co-fundador o ex-diretor do Banco Central, Tony Volpon, havendo ainda na referida matéria a compreensão de que “esse novo sistema em blockchain abre mais um caminho para o Drex”.
Ou seja, observamos nessas iniciativas forte tentativa de intervenção do Estado no domínio econômico, curiosamente por meio do uso de tecnologias criadas por pessoas com forte visão não intervencionista, a exemplo do próprio criador da tecnologia dos contratos inteligentes, Nick Szabo, adepto da escola de economia austríaca.
Diante disso, questão que surge é a seguinte: pode dar certo a adoção pelos intermediários de tecnologias criadas para acabar com a intermediação? Não há aqui espaço para discutirmos essa questão complexa.
Por outro lado, dúvidas não há que muito embora o Estado esteja adotando essas novas tecnologias, elas não foram produzidas pelo Estado, e tão pouco no Estado pode ser encontrado seu estágio mais avançado, o que significa que ainda há muito espaço para a concorrência.
Logo, assim como a DREX terá que concorrer com as criptomoedas e principalmente com as stablecoins (tokens que tentam reproduzir o valor de moedas fiduciárias) iniciativas como a do COFECI poderão ter que concorrer com outras iniciativas do setor privado, mesmo considerando o formalismo aplicável aos direitos reais.
Aos consumidores, por outro lado, cabe indagar: o governo está preocupado apenas com o recolhimento de tributos, ou está seriamente preocupado em promover a livre iniciativa, nos termos do artigo 4º da LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019?
Certamente, o que se espera do governo é que siga os ditames constitucionais e que advogue para o uso da tecnologia no sentido de trazer benefícios reais aos destinatários finais, mediante redução do preço dos produtos, com ou sem a manutenção de intermediários.
O que não se pode admitir é que o país deixe de utilizar tecnologias capazes de fomentar o crescimento econômico, em prol de trocar “seis por meia dúzia”, de modo a privilegiar alguns poucos empresários com relações prévias com o Estado.
Criadores do primeiro escritório do país especializado em direito aplicado a processos de tokenização, coautores do livro “O Guia Jurídico da Tokenização”, colunistas da revista perfil sobre direito e tecnologia.
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