Usucapião familiar: requisitos e aplicação no mercado imobiliário

Entre as formas de aquisição de um imóvel, uma delas é a usucapião, cujo instituto jurídico é caracterizado pela aquisição originária do bem, ou seja, quando o adquirente não possui contato direito com o antigo proprietário.

Na usucapião, há diversas formas de usucapir um imóvel: extraordinária, ordinária e especial (familiar, indígena, coletiva, rural e urbana).

A usucapião familiar está prevista no art. 1.240-A do Código Civil e é utilizada como umas das formas de aquisição  originária de  imóvel.  Para tanto, é necessário o preenchimento de alguns requisitos, dentre eles: a) o limite territorial de 250m²; b) imóvel urbano; c) divisão de propriedade com o cônjuge; d) lapso temporal de 02 (dois) anos; e) abandono do lar pelo cônjuge; f) não ser proprietário de outro imóvel.

Constata-se, portanto, a possibilidade de usucapir imóvel após a separação de corpus entre os conjugues, quando um destes abandona o imóvel. Observa-se, ainda, que este é o menor prazo de usucapião previsto no nosso ordenamento, haja vista que o objetivo é a proteção familiar (mulheres e menores de idade).

A usucapião, independente da sua forma, é caracterizada pela posse mansa e pacífica e principalmente pelo animus domini, ou seja, quando o possuir exerce a posse como se dono fosse agindo como proprietário de fato.

Na presente situação (usucapião familiar), o ex-companheiro deixa o imóvel sem qualquer intenção de retornar ou de exercer os direitos como proprietário, deixando, à título de exemplo, a companheira e seus filhos. Se de fato ocorrer o abandono em um período de dois  anos, a  ex-companheira possui o direito de requerer a usucapião do imóvel.

Contudo, importante mencionar, que para a configuração da usucapião familiar, além dos requisitos dispostos no artigo mencionado acima, é necessário a inexistência de divórcio ou dissolução de união extrajudicial ou judicial, no qual dispõe acerca da partilha dos imóveis.

Ocorre que, havendo divórcio ou dissolução no qual dispõe sobre a venda do imóvel, mesmo que decorrido dois anos do referido documento, não há como configurar abandono por parte dos cônjuges que se retirou e deixou o patrimônio. Portanto, via de regra,  não  haveria  a presença  de um dos  requisitos mais importante de qualquer usucapião, qual seja a posse mansa e pacifica.

Em caso análogo já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

A Autora alegou o abandono do lar desde 1998 após a separação judicial. Relatou ainda que “Impende asseverar, que na sentença ficou estipulado que o imóvel comum do casal deveria ser vendido e o produto partilhado”. Ora, a Autora informou que a sentença (título executivo judicial) reconheceu tratar-se de imóvel comum, e que deveria ser vendido para ser partilhado o produto. A Sentença dos autos do processo nº 199783300545, disciplinou: “Informou a autora, ainda, nos autos, a existência de um único bem imóvel, localizado na rua […] concordando as partes que o mesmo deverá ser vendido, devendo ser o produto da venda partilhado equitativamente entre os separando, o que fica, aqui, determinado, considerando o valor da avaliação de fls. 31, verso.” A conversão do divórcio ocorrida nos autos do processo nº 201490002691, mencionou expressamente: “mantenho o acordo anteriormente estabulado em ação de separação”. Assim, observamos a imutabilidade da sentença que reconhece o bem comum e determina a venda. Significa dizer que tratava-se portanto da instituição do condomínio, ou seja, posse comum por força da decisão judicial que reconheceu a titularidade do imóvel. A autora não exercia a posse com exclusividade e quando o fazia, não possuiu animus domine, porque exercia posse do que já lhe pertencia, além da posse direta por representação, derivada da também posse do Réu. Mutatis mutandis, seria o mesmo que reconhecer o instituto da usucapião em favor de um proprietário em detrimento dos demais, quando a propriedade ou posse derivada da instituição do condomínio. A autora juntou decisão judicial afirmando o julgamento procedente do pedido reconhecendo a usucapião familiar em caso análogo.  Ocorre que este caso, não é análogo ao exemplo tratado na decisão judicial, posto que, no caso paradigma houve o abandono com o reconhecimento da separação fática, enquanto nestes autos tratamos de separação judicial, que apresentam consequências distintas. A usucapião familiar exige o abandono do lar, ocorre, que, o caso retratado nestes autos não se constata o abandono lar pelo Réu, mas sim, a separação judicial. Separação fática e Separação Judicial são coisas completamente distintas, na primeira até pode haver o abandono do lar, mas na segunda não, sobretudo quando ocorrida em virtude de acordo com homologação  judicial.  (STJ  –  AgInt  no  AREsp:  1568225  SE 2019/0247011-8,      Relator:      Ministra      MARIA      ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 13/08/2021)

Observa-se no caso retratado acima, que o Relator pontuou a inexistência do abandono do imóvel, tendo em vista a existência de uma sentença judicial determinando a alienação do imóvel como forma de partilhar futuramente entre os conjugues, bem com ressaltou a existência de condomínio (mais um proprietário do mesmo imóvel) no caso, mais uma justificativa que veda a configuração da usucapião familiar.

Dito isso, considero importante mencionar e ressaltar que a usucapião familiar é instituto jurídico utilizado para os casos de  abandono  e separação de cônjuges, razão pela qual não ocorre a aplicação do art. 1.240 do Código Civil em casos de herança e abandono do imóvel por parte dos herdeiros ascendentes e/ou descentes.

Em casos similar, em que um dos herdeiros exerce a posse mansa e pacifica, é permitido requerer a usucapião, todavia, observando os requisitos da usucapião extraordinária, conforme decisão abaixo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO.  AUSÊNCIA.  SÚMULA  282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. 1. Ação ajuizada 16/12/2011.

Recurso    especial    concluso    ao    gabinete    em    26/08/2016. Julgamento:  CPC/73.  2.  O propósito recursal é definir  acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos  e  testamentários  (art.  1.784  do  CC/02).  5.  A  partir dessa transmissão, cria-se  um  condomínio  pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo  único,  do  CC/02.  6.  O  condômino  tem  legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor  de  seu irmão – o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. 8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria  ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária .9. Recurso especial parcialmente conhecido  e,  nesta  parte,  provido.(  REsp  1631859/SP  ,  Rel. Ministra   NANCY   ANDRIGHI,   TERCEIRA   TURMA,   julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018)

Nota-se no caso acima, que a existência de condomínio entre os herdeiros não foi causa impeditiva para a concessão da usucapião. Contudo, se faz necessário apresentar a prescrição aquisitiva, um dos requisitos da usucapião extraordinária, qual seja o lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.

Desse modo, havendo imóveis em condições similares, ou seja, ausente de regularização entre cônjuges e/ou familiares, poderá ser requisitado ação judicial ou extrajudicial de usucapião extraordinário ou familiar.

Portanto, ao corretor de imóvel que se deparar com imóveis pendentes de regularização, cabe a este orientar os clientes da possibilidade proceder com o instituto da usucapião, devendo, todavia, contatar advogado especializado na área que analisará e adotará as medidas cabíveis.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Bríggida Gabriele Rocha

Advogada (OAB/SC 61.164) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário.

Atua como advogada associada no escritório de advocacia Pavão Advogados e Associados.

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