Nômades digitais movimentam economia nas capitais brasileiras

São Paulo atrai trabalhadores remotos com renda em moeda forte e vê salto na demanda por temporada, enquanto bairros de alto padrão consolidam serviços para o novo morador global

 

Em um café de Pinheiros, já é comum ouvir reuniões em inglês, francês e espanhol em meio ao som de teclados e ligações por vídeo. São Paulo vive uma nova onda de imigração profissional: a dos nômades digitais. Estima-se que mais de 35 milhões de pessoas no mundo vivam nesse formato e que o número possa chegar a 1 bilhão até 2035, segundo o MBO Partners. Esses profissionais unem mobilidade, tecnologia e alto poder de consumo, e encontram na capital paulista uma base ideal para trabalhar e viver temporariamente.

A cidade reúne infraestrutura robusta, internet veloz, vida cultural intensa e conectividade internacional, além de uma oferta crescente de coworkings e moradias flexíveis. Segundo o Censo Coworking Brasil, um terço de todos os espaços de trabalho compartilhado do país está em São Paulo. Essa combinação de ambiente cosmopolita, diversidade e oportunidades de negócios faz da capital um dos principais hubs de trabalho remoto da América Latina. O Brasil, inclusive, oferece um visto específico para nômades digitais, que permite estadias de até um ano prorrogável, tornando o país ainda mais atrativo.

A presença desses profissionais já movimenta diversos setores. O mercado de aluguel de curta duração é o principal beneficiado: segundo a AirDNA, São Paulo tem mais de 54 mil imóveis ativos em plataformas de temporada, e a demanda cresceu 27% no último ano. Bairros como Vila Madalena, Itaim Bibi e Jardins concentram boa parte dessa oferta, com apartamentos mobiliados e contratos em dólar voltados a estrangeiros. O impacto também se estende ao comércio e aos serviços urbanos, com cafés, academias e restaurantes registrando aumento de consumo e startups adaptando produtos a esse público global.

Mas o mesmo movimento que aquece a economia pressiona o mercado imobiliário. A conversão de imóveis para estadias curtas reduz a oferta de locações tradicionais e contribui para o aumento dos aluguéis. Segundo o FipeZap, o valor médio do aluguel em São Paulo subiu 17% em 2024, o maior crescimento em quase uma década. Especialistas apontam que a cidade pode seguir o caminho de metrópoles como Lisboa e Cidade do México, onde a chegada de nômades digitais acelerou processos de gentrificação e empurrou moradores de baixa renda para regiões mais periféricas.

No segmento de alto padrão, esse público também redefine prioridades. De acordo com levantamento da Brain Inteligência Estratégica em parceria com a Abrainc, as vendas de imóveis de luxo e superluxo em São Paulo cresceram 40% em 2023. Para Fabrizio Bevilacqua, CEO da Netcorp, o movimento está diretamente ligado à mudança de estilo de vida dos novos moradores. “O novo paulistano valoriza saúde, tempo e experiências no cotidiano tanto quanto localização ou acabamentos de alto padrão. É um público que não quer apenas morar bem, mas viver de forma integrada à rotina profissional e pessoal”, afirma.

Bevilacqua acrescenta que o conceito de moradia acompanha essa transformação. “Nosso público não compra apenas um apartamento. Ele busca tempo de qualidade, conveniência e espaços que dialoguem com sua rotina. A decisão de incluir uma quadra de padel e um spa externo em nossos projetos traduz essa visão de oferecer bem-estar em meio ao centro urbano”, explica. Essa adaptação reflete como São Paulo incorpora tendências globais de moradia, mesclando sofisticação, funcionalidade e lazer para um público que vê o lar também como espaço de produtividade.

O avanço dos nômades digitais em São Paulo já molda uma nova dinâmica urbana e econômica. A chegada de profissionais com renda em moeda forte impulsiona o comércio, o setor imobiliário e os serviços, mas também desafia o equilíbrio entre crescimento e inclusão. Para Bevilacqua, o momento exige planejamento para que a cidade continue sendo um polo global de oportunidades sem perder o que a torna singular. “São Paulo sempre foi uma cidade que se reinventa. Agora, precisa garantir que essa energia traga inovação e bem-estar para quem chega — e para quem já está aqui.”

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