SELIC a 15%: o mercado que explode para uns e trava para outros

Existe uma fratura exposta no mercado imobiliário brasileiro. E o corretor está bem no meio dela, sentindo o peso dos dois lados.

De um lado, clientes que dependem de financiamento olham os juros a 15% e simplesmente desistem antes de tentar. Do outro, compradores pagando à vista aproveitam a menor concorrência e fecham negócio em dias. Mesma cidade, mesmo bairro, realidades completamente opostas.

O mercado cresceu 15,7% no primeiro trimestre de 2025, segundo a CBIC. Parece bom no papel. Mas quando você olha de perto, descobre que esse crescimento tem nome e sobrenome: Minha Casa Minha Vida e alto padrão. O MCMV concentrou 53% dos lançamentos e 47% das vendas no período, com crescimento de 40,9% nas transações. No outro extremo, o alto padrão movimentou R$ 4,6 bilhões só em São Paulo no primeiro trimestre, crescimento de 21% sobre 2024.

E o meio? O meio está preso entre o impossível e o improvável.

 

A realidade de quem depende de crédito

A classe média brasileira virou refém da Selic. Financiar R$ 500 mil hoje pode custar entre R$ 949 mil e R$ 1,2 milhão ao fim do contrato, dependendo da instituição e das taxas aplicadas. O cliente faz as contas, olha para a parcela, olha para o salário, e percebe que aquele sonho vai esperar.

Os saques da poupança superaram os depósitos em R$ 209 bilhões entre 2021 e 2024. Resultado: menos dinheiro para financiar, juros maiores, aprovação mais difícil. Em São Paulo, o estoque de imóveis novos financiados com recursos da poupança caiu 31% em 12 meses.

O corretor que atende esse público sabe: não é falta de vontade do cliente. É falta de condição real. E não adianta fazer mágica com planilha ou “mostrar as vantagens do financiamento”. Quando a conta não fecha, não fecha.

 

O outro lado da moeda: quem não precisa de banco

Enquanto isso, o mercado de alto padrão vive outro filme. As vendas de imóveis de luxo cresceram 33,5% em 2024, totalizando 9.329 unidades e um VGV de R$ 38 bilhões alta de 46,1% sobre o ano anterior. Em 2025, a tendência continua.

Esse comprador não quer saber de Selic. Ele tem capital, às vezes vindo de investimentos que rendem mais que o custo de oportunidade de deixar o dinheiro parado. Compra rápido, negocia desconto à vista, não perde tempo com análise de crédito.

Para quem trabalha nesse segmento, o jogo é outro: menos burocracia, mais agilidade, ticket maior. A busca por casas acima de R$ 1,5 milhão cresceu 19,3% só em janeiro de 2025. A demanda existe, o dinheiro existe, e a venda acontece.

 

O MCMV: o terceiro personagem da história

O programa habitacional virou protagonista absoluto. Cresceu 25,8% no primeiro semestre de 2025, chegando a 95.483 unidades vendidas. Com juros entre 7,66% e 8,16% ao ano e subsídios estaduais e municipais entrando na conta, o MCMV criou um mercado paralelo, menos sensível aos humores da economia.

Incorporadoras sabem disso. Metade dos lançamentos do país no primeiro trimestre estava no programa. É previsibilidade. É volume. É uma demanda garantida enquanto o resto do mercado segura a respiração.

 

Então, em qual velocidade você está jogando?

O problema não é o mercado estar aquecido ou frio. O problema é que ele está dividido. E o corretor precisa entender em qual dessas três realidades ele está operando, porque as regras são diferentes.

Se você atende classe média dependente de financiamento, precisa parar de se cobrar por resultados que não dependem só de você. Seu cliente quer comprar, mas o sistema não deixa. Com a Selic em 15%, o jogo é de resistência, não de velocidade.

Se você atende alto padrão, o momento é de aproveitar. Tem comprador qualificado, tem menos concorrência de gente que precisa de banco, e tem janela de oportunidade. Mas tem que ser rápido, porque quando os juros caírem, todo mundo volta pro jogo.

Se você atende MCMV, está surfando a onda mais forte do mercado. Mas precisa conhecer cada mudança, cada subsídio, cada regra da nova Faixa 4 que entrou em maio. O cliente dessa faixa é consistente, mas exige especialização.

 

A armadilha da comparação

O erro fatal é se comparar com quem joga em outra velocidade. O corretor de alto padrão não é melhor que você porque vendeu três unidades esse mês, ele só está num mercado menos travado. O corretor de MCMV não é sortudo por ter vendas consistentes, ele entendeu onde estava o fluxo e se posicionou.

Você também não é pior porque seu cliente de classe média não conseguiu aprovação. Você está jogando num tabuleiro diferente, com peças que o Banco Central movimenta.

A questão não é qual mercado é melhor. A questão é entender em qual você está, aceitar as regras do jogo, e parar de se culpar por variáveis que você não controla.

 

O que fazer com isso

Primeiro: seja honesto. Com o cliente e com você mesmo. Se o financiamento está impraticável, diga. Se a Selic continuar alta pelos próximos meses, não venda ilusão. O cliente respeita a verdade, não o discurso decorado.

Segundo: estude o seu segmento. Se é MCMV, vire especialista em subsídios. Se é médio padrão, entenda portabilidade, use + casa, todas as linhas de crédito possíveis. Se é alto padrão, aprenda a linguagem desse cliente, ele não quer financiamento, quer exclusividade e agilidade.

Terceiro: tenha paciência estratégica. O mercado vai virar. A Selic vai cair (eventualmente). Quando isso acontecer, quem se manteve próximo do cliente, quem construiu relacionamento mesmo sem vender, vai colher. Quem sumiu, vai ter que começar do zero.

E por último: pare de achar que você precisa vender do mesmo jeito que vendia em 2020, ou do mesmo jeito que o corretor de outro segmento vende hoje. O mercado mudou. As velocidades são diferentes. E você precisa ajustar o ritmo, não forçar uma corrida que não existe.

 

Porque no fim, não se trata de ser o mais rápido. Se trata de entender em que pista você está correndo e correr do jeito certo para aquela realidade.

Sobre o mercado imobiliário atual, uma coisa é certa: ele vai continuar dividido enquanto a Selic estiver em 15%. A pergunta que você precisa responder não é “quando vai melhorar?”. É “como eu me posiciono enquanto isso?”

Porque quem espera sentado vê o mercado passar. Quem se adapta, sobrevive. E quem entende as duas velocidades, prospera nas duas.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE O AUTOR DESTE POST

Edgard Lagrotta

Administrador de Empresas com MBA em Gestão de Negócios e Pessoas. Cientista do Marketing certificado pela V4 Company.

Profissional com 20 anos de experiência nas áreas de marketing e vendas, com atuação nos segmentos de bebidas, automotivo, marketing digital e mercado imobiliário. Ao longo da carreira, desenvolveu e implementou estratégias comerciais, posicionamento de marca e projetos de crescimento voltados para performance e gestão de equipes multidisciplinares.

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