Evicção em leilões: desvendando as responsabilidades e protegendo seu investimento

Participar de um leilão, seja ele judicial ou extrajudicial, representa uma oportunidade de adquirir bens por valores atrativos, contudo, essa modalidade de compra encerra riscos inerentes, e um dos mais significativos é a responsabilidade pela evicção.

A evicção, fenômeno jurídico que ocorre quando o adquirente perde o bem em virtude de uma decisão judicial que reconhece direito anterior de terceiro, é o grande “medo” dos arrematantes, demandando uma análise criteriosa da legislação e da jurisprudência para mitigar surpresas desagradáveis.

A base para a discussão da evicção está no Artigo 447 do Código Civil, que estabelece: “Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.” A menção expressa à “hasta pública” (termo que engloba os leilões) é crucial, mas a aplicação prática dessa norma é que gera os maiores debates e conflitos.

Em leilões judiciais, a interpretação da responsabilidade pela evicção é particularmente complexa, imagine a situação: um imóvel é levado a leilão por determinação judicial, a arrematação é homologada, mas, posteriormente, uma ação autônoma resulta no cancelamento de todos os atos e na anulação da arrematação. Nesse cenário de evicção, quem arcará com o prejuízo do arrematante?

Tradicionalmente, a responsabilidade recai sobre o executado (o devedor original), pois ele é o verdadeiro alienante do bem, ainda que por via forçada, contudo, a jurisprudência tem evoluído para também responsabilizar o credor (exequente), que foi beneficiado economicamente pelo produto da arrematação. A tese é a de que, havendo a evicção, o recebimento dos valores pelo credor configuraria um enriquecimento sem causa, devendo ele restituir o que recebeu.

É válido o questionamento: se o bem foi levado a leilão por ordem do juiz, não deveria a responsabilidade recair sobre quem determinou a alienação? Essa linha de raciocínio busca uma proteção maior ao arrematante de boa-fé, que confiou na legalidade do procedimento conduzido pelo Judiciário. Entretanto, o entendimento prevalente ainda recai sobre as partes envolvidas na lide originária, reservando a responsabilidade do Estado para casos excepcionais de erro grosseiro ou falha processual grave.

A ausência de uma definição clara e a variação de entendimentos sobre a exata medida da responsabilidade em leilões judiciais são fatores que impulsionam a necessidade premente de uma assessoria especializada. Somente com uma análise prévia e acompanhamento rigoroso é possível minimizar os riscos associados à evicção e evitar perdas financeiras significativas.

Nos leilões extrajudiciais, o cenário da evicção apresenta contornos ligeiramente distintos. Geralmente, por trás dessas operações, há instituições financeiras ou grandes empresas que atuam como comitentes ou alienantes. Nesses casos, o risco de perda do dinheiro pelo arrematante é, em tese, menor, pois a responsabilidade pela evicção tende a ser mais claramente atribuída ao comitente/alienante.

Contudo, é comum encontrar nos editais de leilões extrajudiciais com cláusulas de exclusão da evicção, amparadas pelos artigos 449 e 457 do Código Civil. O Art. 449 permite que as partes, por convenção, aumentem, diminuam ou excluam a responsabilidade pela evicção. Já o Art. 457 estabelece que o adquirente não poderá demandar pela evicção “se sabia que a coisa era litigiosa ou se, por sua conta e risco, assumiu o perigo da evicção“.

Apesar da existência dessas cláusulas, o entendimento jurisprudencial majoritário é protetivo ao arrematante de boa-fé. Mesmo com a previsão de exclusão, os tribunais frequentemente determinam a restituição do valor pago ao arrematante em caso de evicção, pois a retenção integral do valor configuraria um inaceitável enriquecimento sem causa do comitente. A exclusão total da responsabilidade, incluindo o valor desembolsado, só se sustenta se o arrematante tiver sido plena e inequivocamente cientificado dos riscos específicos e os tiver assumido expressamente.

Um exemplo prático e eficiente para mitigar riscos e, ao mesmo tempo, balizar a responsabilidade, seria a indicação expressa no edital de leilão de eventuais pendências ou litígios sobre o bem. Mencionando, por exemplo, o número de um processo de usucapião em andamento, o arrematante é devidamente alertado e, ao prosseguir com a arrematação, assume conscientemente aquele risco específico, conforme previsto no Art. 457 do CC. Ainda assim, a devolução do valor pago em caso de perda é vista como um princípio de equidade, evitando o desequilíbrio da relação e o enriquecimento indevido de uma das partes.

Fica evidente que a participação em leilões é uma atividade que exige muito mais do que apenas capital para arrematar um bem. A complexidade das relações jurídicas, a variação de entendimentos em cada caso e a necessidade de interpretação correta de editais e da legislação tornam a assessoria especializada um investimento essencial.

Profissionais do direito com expertise em leilões podem realizar uma due diligence minuciosa do bem e do processo, identificar riscos ocultos, analisar a validade das cláusulas de exclusão de evicção e, acima de tudo, orientar o arrematante sobre seus direitos e as melhores estratégias para proteger seu investimento. Minimizar os riscos da evicção é o grande objetivo, e uma boa assessoria é a chave para navegar com segurança neste mercado tão promissor quanto desafiador.

 

CONHEÇA MAIS SOBRE A AUTORA DESTE POST:

Geórgia Rosatto

Advogada especialista em aquisições de bens em Leilão Judicial e Extrajudicial, além de estruturação de negócios no segmento de distressed assets – Formada Pela UniFmu, Pós-graduada em Direito Empresarial, Notarial e Registral e MBA em Direito Imobiliário pelo Legale. Mestranda em Resolução de Conflitos e Mediação pela Universidade Europeia do Atlântico. Coordenadora dos núcleos de leilão e protesto e notas da Adnotare e Núcleo de Educação da Abraim, Vice-presidente da Comissão de Leilão Judicial e Extrajudicial da OAB/Jabaquara, Membro da Comissão Especial de Direito Bancário da OAB/SP, Comissão de Estudo em Falência e Recuperação Judicial da OAB /Campinas, ABA – Comissão de Leilões Regional Sudeste e integrante do ImobPorElas. Professora e autora de diversos artigos jurídicos. Atua na assessoria especializada para investidores, leiloeiros, advogados e administradores judiciais.

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